A defesa intransigente que analistas fazem do sistema de "metas inflacionárias" entrou no terreno religioso
UMA FERRAMENTA de política econômica é ela, suas circunstâncias e sua implementação. A defesa intransigente que alguns analistas fazem do sistema de "metas inflacionárias" entrou no terreno religioso, a ponto de considerar estúpida toda crítica ao bezerrão de tetas de ouro da política monetária.
Vamos conferir essa fé cega dos sábios. Dizem eles:
1) Entre os emergentes, o Brasil é o país com mais altas taxas de inflação do mundo. Ao mesmo tempo, não pode crescer porque a economia bateu na capacidade instalada.
2) A inflação é fruto da falta de investimentos. E é isso que obriga o Copom a aumentar os juros quando a economia aquece.
3) O Brasil não cresce porque tem baixa taxa de poupança privada de longo prazo e o setor público investe pouco por culpa da Previdência. A economia é uma relação intrincada de fatores, influenciando mutuamente uns aos outros. Não são departamentos estanques que demandam soluções independentes. A solução de um fator pode afetar os demais. Decisões de investimento dependem de previsibilidade dos seguintes fatores: a) inflação, b) câmbio e c) crescimento.
Taxas de juros elevadas podem tornar mais previsível a inflação. Porém lançam instabilidade sobre a taxa de câmbio (provocando a apreciação do real) e sobre o crescimento. É por isso que um dos pais do sistema de "metas inflacionárias", Armínio Fraga, na entrevista dada a Vera Brandimarte e Cláudia Safatle, no "Valor" de sexta-feira passada (com o significativo título "Juros eram e continuam a ser aberração"), critica metas muito ambiciosas de redução da inflação, pelos inevitáveis impactos sobre os demais fatores.
Vamos a outras observações sobre essa estilização estonteante da realidade econômica por parte dos sábios de pensamento simples:
1) O empresário decide seu investimento pelos fatores que levam ao aumento da produção: crescimento interno (para as vendas internas), câmbio (para as vendas externas). O consumo vai crescendo, o empresário vai aumentando a produção com o uso de horas extras, do terceiro turno. Sentindo firmeza no crescimento, começa a investir.
2) Qualquer sinal de aquecimento da economia leva o BC a aumentar os juros. A decisão de investir do empresário é imediatamente abortada. Sem investimento, obviamente não tem aumento de capacidade instalada. E o governo não investe porque aumento de juros obriga ao aumento do superávit fiscal.
3) É mito essa história de que o país não tem poupança interna. Na indústria de fundos, há um volume de recursos similar ao de uma economia como a espanhola. Por que não se conseguiu aumentar o volume de poupança de longo prazo? Como os ilustres analistas sabem, curvas de juros significam taxas maiores para prazos maiores. Se a taxa de partida é elevada, as de longo prazo têm que ser tão superiores que não há tomadores para elas.
Sei que a realidade é uma estupidez criada para prejudicar as teorias. Mas o que se vai fazer? Só mudar o bordão: "É a realidade, estúpido!".