quarta-feira, junho 21, 2006

Luís Nassif - A geoeconomia do gás

Folha de S. Paulo
21/6/2006

Está na hora de o país pensar estrategicamente a sua geoeconomia, a
exemplo do que vem fazendo a China

QUANDO SE pensa em América do Sul, hoje em dia, pensa-se em
integração energética. Quando se pensa em energia no Brasil, pensa-se
em integração com a América do Sul. Definitivamente, o tema da
integração do continente passou a fazer parte de todas as análises
consistentes sobre os países do continente. O geógrafo Cláudio Egler,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, gosta de analisar o
continente do ângulo geoeconômico. Geopolítica, diz ele, é o controle
de territórios visando obter vantagens no jogo internacional.
Geoeconomia, em vez do controle sobre territórios, significa controle
sobre as redes, seja de logística ou de informação. Por isso, julga
ele, está na hora de o país começar a pensar estrategicamente a sua
geoeconomia, a exemplo do que vem fazendo a China, onde governo e
empresas perseguem objetivos comuns. A arte da logística consiste em
deter não apenas a propriedade mas principalmente o direito de uso.
Um dos fluxos mais importantes, nessa estratégia, é o de energia. Há
uma geoeconomia avançando em relação ao gás. Nesse período de
transição da era do petróleo para a nova era, o gás desempenhará
papel fundamental. E o Brasil precisa montar sua estratégia para o
gás. Os EUA e a Europa avançaram em escala continental -seus
gasodutos atravessam todo o continente. O Oriente Médio possui as
maiores reservas de gás do mundo -70%-, mas fortemente concentrada no
Irã. E a estratégia iraniana tem sido a de pensar um gasoduto não em
direção à Europa mas à China, passando pela Índia -o que alteraria
fundamentalmente o equilíbrio econômico mundial. A questão nuclear,
segundo o geógrafo, não passaria de pretexto para anular essa
tentativa do gasoduto Irã-China. Pelos dados de 2005, a América do
Sul é o continente que dá a menor contribuição às reservas globais de
gás: apenas 4%. Nos EUA, a tendência é declinante; na África, as
descobertas estão em expansão. Na geoeconomia mundial, o grande fluxo
de gás para a Europa vem da Rússia, mas em um quadro que tende a
complicar, desde que uma empresa privada russa, a Gaspron, assumiu o
controle do gasoduto e passou a tentar impor preços aos consumidores.
Para os EUA, o fluxo vem de Trinidad e Tobago e do Canadá, em parte
por gasodutos, em parte por gás liquefeito. Nos últimos anos,
Trinidad e Tobago tornou-se o principal fornecedor de gás para os
EUA, substituindo a Venezuela de Chávez. A Petrobras se colocou bem
na região, ao lado da British Gas. Para a América do Sul, pensa-se
agora no grande gasoduto ligando Venezuela, Brasil Argentina e Chile.
O grande embate no continente será entre a Petrobras e a venezuelana
PDVSA. A Petrobras se colocou bem em Trinidad e Tobago, com a British
Gas. A PDVSA está conseguindo penetrar na Bolívia. Tempos atrás
tentou, sem sucesso, adquirir a Rede Ipiranga no Brasil. Pelos dados
apresentados no 31º Fórum Projeto Brasil, há fundadas razões para o
Brasil não se afastar da Bolívia. Fora o gás, só o potencial
hidrelétrico do país (em razão das corredeiras dos Andes) é quase o
mesmo que do Brasil.