terça-feira, junho 20, 2006

Congresso é um bom companheiro Dora Kramer

Estado

Sem votações, o governo pode esconder ausência de articulação e de
maioria

O Congresso reclama, com razão, do Poder Executivo, que obstrui os
trabalhos - ora interditando a pauta de votações com o envio de
medidas provisórias desnecessárias, ora negando quórum às sessões
deliberativas - para depois acusar o Poder Legislativo de paralisia e
ainda ressaltar, a título de lamento (maroto), a desmoralização do
Parlamento junto à opinião pública.

A queixa semana passada foi inclusive objeto de duro ataque do
presidente da Câmara, Aldo Rebelo, ao presidente Luiz Inácio da
Silva, que havia apontado falta de seriedade na conduta dos deputados
ao aprovarem emenda à MP do salário mínimo estendendo o aumento de
16,6% aos aposentados.

Segundo Aldo Rebelo, o presidente antes de acusar deveria articular
sua base no Congresso para defender os interesses do governo.

Houve quem enxergasse na manifestação do presidente da Câmara mais
que uma reação a uma declaração infeliz de Lula. Ele teria agido para
tentar pôr um freio numa ofensiva do Palácio do Planalto para
paralisar propositadamente os trabalhos, manter o Congresso na
berlinda, dividir o desgaste dos escândalos e, com isso, continuar se
valendo eleitoralmente da versão de que "todos os políticos são
iguais", seja na venalidade, na preguiça ou na leviandade.

De fato, quanto mais denúncias e episódios negativos se originam no
Parlamento, mais o Executivo consegue dividir atenções. Prova é que a
agenda política voltou a ser positiva para Lula no início do ano com
a desastrosa convocação extraordinária do Congresso, o pagamento dos
salários extras e a pauta dos trabalhos inteiramente paralisada por
investigações e obstruções.

De lá para cá, quase nada se votou e o governo, tocando o País na
base dos discursos do presidente e na edição de medidas provisórias,
nunca mais precisou exibir ao País capacidade de organização na
condução de seu esquema político para aprovar propostas de seu
interesse ou para rejeitar matérias consideradas administrativamente
prejudiciais. Ou seja, se não ganhou, Lula tampouco perdeu em praça
pública.

Quando isso aconteceu no caso dos benefícios dos aposentados, culpou
a oposição, ignorando duas evidências: os oposicionistas não dispõem
de maioria para, sozinhos, paralisar coisa alguma e quem tem a
obrigação de organizar maioria para ganhar é o governo, eleito para
isso, não a oposição, derrotada que foi nas urnas.

Nesse aspecto, têm razão os parlamentares que reclamam dos métodos de
Lula para transferir responsabilidades e esconder sua fragilidade no
Congresso em praticamente todo o mandato, à exceção do primeiro ano e
de um soluço de esforço para eleger o presidente da Câmara depois da
queda de Severino Cavalcanti.

Mas, se de um lado está patente que o governo realmente se empenha em
manter o Congresso nas cordas, de outro é nítida a colaboração do
Parlamento na consecução desse tipo de intento, deixando passar todas
as oportunidades de reagir e aproveitando todas as chances de
aprofundar seu próprio desgaste, do qual hoje é refém.

Comandou investigações de corrupção contra o governo e, em sua
maioria, não as conduziu a bom termo. Não apenas deixando de lado os
ministros acusados de se beneficiar do valerioduto, mas
principalmente pela já notória ação de acobertamento geral dos
parlamentares envolvidos.

Quando pôde agir, falhou e a própria reação do presidente da Câmara,
durante meses um tímido devedor de sua eleição ao Palácio do
Planalto, soou tardia. Nesse sentido, o Congresso foi para Lula o
melhor companheiro que ele poderia desejar.

Agora, quando alguns poucos percebem a armadilha em que se deixaram
docemente aprisionar, reclamam, tentam adotar uma posição mais crítica.

Vendo o risco eleitoral que se avizinha (para eles, pois a Lula por
enquanto o horizonte sorri), ensaiam mobilização para votar,
manifestam preocupação com seus destinos (os que conseguirem voltar)
a partir de 2007, pois sentem que, na possibilidade de reeleição de
Lula, dias piores virão: o presidente reeleito inicia seu segundo
mandato forte e o Congresso começa nova legislatura no chão.

A despeito de ser uma saudável percepção, o sentido de
autopreservação manifesta-se algo extemporâneo e de frágil
sustentação pois, quando o presidente do Senado oferece ao presidente
da República o apoio de seu partido (PMDB) à reeleição em troca da
cargos no segundo mandato, não há dignidade parlamentar que consiga
um pingo de credibilidade para se afirmar.

Novos planos

O presidente do PPS, deputado Roberto Freire, desistiu da candidatura
à Presidência da República para apoiar Geraldo Alckmin e já cogita
desistir também de disputar novo mandato à Câmara.

No lugar de buscar votos para si em Pernambuco, Freire anda pensando
em percorrer o País atrás de apoio para impedir a reeleição de Lula.
Ele ainda faz segredo do projeto, mas admite atuar como cabo
eleitoral qualificado "fazendo campanha nacional".