quinta-feira, junho 22, 2006

Clóvis Rossi - O bonde e o avião

Folha de S. Paulo
22/6/2006

Com um sorriso de superioridade bailando nos lábios, resolvo pegar o
bonde para ir à Römerberg, a praça principal de Frankfurt, onde tudo
acontece. Quero sentir o pulso de argentinos e holandeses. Só dá
"laranja", a cor da Holanda. Sorrio porque os alemães são uns
atrasadinhos. Ainda usam bonde, que os espertos paulistanos já
aposentamos há meio século. Deve ser por isso que o trânsito de
Frankfurt é um horror, e o de São Paulo, aquela conhecida fluidez.
Vou à estação Platz der Republik. Não vejo ambulantes nem mendigos.
Esperta a prefeita da cidade. Deve tê-los retirado só para a Copa.
Pensa que me engana. No ponto do bonde, há um placar eletrônico que
avisa quantos minutos faltam para chegar o "meu" bonde, o da linha 11
(quatro minutos). Eles acham que vou acreditar que o bonde chega no
horário. Cinco minutos depois, o "11" chega. Sabia que haveria um
atraso horroroso. Em São Paulo, essas coisas não acontecem (ninguém
sabe a que horas vai chegar o ônibus, logo não se pode nem cobrar
atrasos). Fico com vontade de descer no ponto seguinte só para
conferir se o próximo "strassenbahn" (bonde em alemão) vai sofrer
atraso igual ou pior -para eu poder dar uma carteirada com minha
credencial da Fifa e exigir respeito. Sou brasileiro, meu, o que é
isso? Desisto. É melhor tocar o bonde direto até a Römerberg, toda
vestida de laranja (os argentinos são poucos até agora, e menos
ruidosos. Milagre). Enquanto isso, em um país distante, vôos de uma
companhia falida não atrasam. Simplesmente são cancelados. Todo mundo
sabe que uma pilha deles serão cancelados, que os passageiros serão
torturados, mas ninguém liga, a não ser as vítimas. Prefiro o bonde.