quinta-feira, junho 29, 2006

Celso Ming - Melhoram os sinais

O Estado de S. Paulo
29/6/2006

Não basta repetir que a economia brasileira está blindada contra
crises externas porque seus fundamentos estão saudáveis. É preciso
que os mercados também entendam assim. E, há alguns dias, aumentaram
os indícios de que essa percepção começa a prevalecer em quem toma as
decisões no carregamento das grandes carteiras de aplicações
financeiras.

Ontem, foi a vez de a Fitch, importante agência de classificação de
risco, melhorar a nota da dívida brasileira. O papel dessas agências
é examinar a situação econômica e financeira dos grandes devedores
para em seguida dizer aos credores qual é a probabilidade de que
esses títulos sejam caloteados.

Se melhorou de BB- para BB a classificação da dívida brasileira, a
Fitch está dizendo que diminuiu a probabilidade de que, por algum
motivo, essa dívida deixe de ser honrada.

O objetivo de qualquer devedor é atingir o grau de investimento na
tabela de classificação de risco dessas agências. É quando os títulos
deixam a área de risco propriamente dito e passam a ser considerados
"ponta firme". Apenas títulos qualificados como de grau de
investimento podem figurar nas carteiras patrimoniais de instituições
de primeira linha, como fundos de pensão, fundos de investimento e
seguradoras. Os títulos do Brasil ainda estão distantes desse nível,
mas vêm melhorando de posição.

Não foi essa a primeira promoção de qualidade da dívida brasileira.
Nos dois últimos anos, essa e outras agências de classificação de
risco já reconheceram a melhora nas condições de pagamento da dívida
externa brasileira. No entanto esta é a primeira vez que essa
reclassificação acontece num ambiente de deterioração das condições
da economia mundial.

Enquanto o mundo rico patina com inflação crescente e perspectiva de
aumento dos juros, aqui no Brasil acontece o contrário: a inflação
está em baixa e os juros têm tudo para continuar caindo.

Os diagnósticos de melhora das condições da economia vinham sendo
repetidos fora do Brasil, mas os administradores de patrimônio
continuavam vendo a qualidade dos títulos do Brasil como farinha do
mesmo saco dos emergentes.

Se as condições globais pioram - vinham pensando eles -, pior ainda
vão ficar as condições dos países emergentes, Brasil entre eles. E
foi isso que, durante a tempestade, levou o mercado internacional a
desfazer-se dos títulos e das ações vinculadas a esses países.

A decisão da Fitch contribui para o entendimento de que a farinha
brasileira é de qualidade diferente da farinha de outros países
emergentes, notadamente da farinha turca, que no momento é a economia
emergente que mais preocupa.

O Relatório de Inflação divulgado ontem pelo Banco Central também
pontua na mesma direção. Trata-se de um tijolo de 136 páginas que sai
a cada três meses. Lá, o Banco Central analisa os aspectos da
economia brasileira direta ou indiretamente relacionados com o
comportamento da inflação. Não só é o instrumento pelo qual presta
contas à sociedade da execução da política monetária (política de
juros), como também pelo qual passa suas mensagens que tem de passar
para os agentes econômicos de modo a fazer a cabeça deles sobre o
comportamento futuro da inflação.

Pois, no Relatório que desde ontem está no site do Banco Central,
ficou dito que "a instabilidade das últimas semanas (na economia
mundial) não configura um quadro de crise tanto devido ao caráter
potencialmente transitório de suas causas principais quanto aos
sólidos fundamentos da economia brasileira".

Mais do que uma avaliação do que está acontecendo, o Banco Central
está passando o recado de que a crise externa não deve ser vista como
obstáculo para a queda dos juros. Se, nas últimas reuniões do Copom,
a convulsão externa sugeria alguma cautela extra no manejo da
política de juros, agora fica entendido que esse extra é dispensável.

O mercado financeiro internacional parece ter mudado seu
comportamento em relação ao Brasil. Os observadores já notam que eles
não se apressam a retirar os dólares daqui. Talvez seja por isso que
Bolsa, câmbio e o segmento de títulos públicos já atuam descolados da
volatilidade externa.