quarta-feira, junho 28, 2006

Celso Ming - Concentração da produção ESTADO

ming@estado.com.br

A megafusão entre a Mittal, gigante indiana da siderurgia, com o grupo líder da siderurgia européia, a Arcelor, prenuncia mudanças profundas na organização do setor produtivo mundial.

O novo colosso siderúrgico está em condições de produzir 120 milhões de toneladas anuais de aço em lingotes, cerca de 10% da produção mundial. Apenas para comparar, a capacidade de produção de toda a siderurgia brasileira não passa de 30% do novo conglomerado.

A geografia já não é obstáculo para concentração do setor produtivo. Juntaram seus ativos dois gigantes, um da Ásia e outro da Europa, como se um já estivesse no quintal do outro.

A única saída que tem grande parte dos conglomerados para ganhar poder de barganha junto a seus fornecedores e garantir competitividade é ganhar escala de produção e promover sinergias, o que os empurra para mais concentração.

Essa lógica atropela um punhado de conceitos como os de política setorial, política industrial e defesa de interesses nacionais específicos. Neste processo, foram ignorados os principais governos da Europa, como o da França, contrários à fusão. Prevaleceram os dos acionistas e os da busca da eficiência.

Estão em marcha movimentos de concentração da atividade econômica não apenas na siderurgia, mas também em outros setores, como celulose, petroquímica, cimento, telecomunicações, finanças e seguros.

Outra área desafiada por essa concentração é a da defesa da concorrência. Não é ainda a situação do mercado do aço, fortemente pulverizado aqui e no exterior. Como lembra Raul Beer, sócio responsável pela área de Fusões e Aquisições da PriceWaterhouseCoopers, a crescente abertura comercial ainda impede o surgimento de relações desequilibradas entre produtores e clientes que descambem para a formação de oligopólios e cartéis. No entanto, a concentração global está apenas começando. Se estiverem certos os observadores, estão próximos os tempos em que os desequilíbrios se acentuarão.

De um lado, é preciso fortalecer as leis de mercado. De outro, a sobrevivência do setor produtivo exige eficiência e ganhos de escala. Há algum tempo, era preciso combater o monopólio da padaria do bairro; hoje defende-se a integração dos maiores conglomerados situados em hemisférios opostos.

Se a escala das empresas ficar muito maior e se a força dos mercados se estende para além das fronteiras nacionais, não seria preciso que os organismos de defesa da concorrência também sejam supranacionais?

Para o professor Gesner de Oliveira, que já foi presidente do Cade, a situação está, sim, exigindo um xerifão global de defesa da concorrência. Mas ele lembra que as tentativas nesse sentido foram bloqueadas pelos Estados Unidos. "Sobra para os organismos nacionais a opção de coibir eventuais abusos no mercado interno ou de impor restrições ao processo internacional de fusões, como o próprio organismo de defesa da concorrência dos Estados Unidos exigiu no mercado americano quando a Mahle incorporou a Metal Leve brasileira."