domingo, maio 28, 2006

FERREIRA GULLAR Papo brabo

FOLHA


Parece que se está formando um partido clandestino para dirigir a população carcerária

- FALANDO FRANCAMENTE , parece que o que aconteceu recentemente em São Paulo muda o panorama. Não se pode mais falar de criminalidade como se falava antes, não acha?
- Está se referindo à ação rápida e coordenada dos bandidos?
- Sim, estou me referindo ao PCC. Parece que se trata de um fenômeno novo no cenário social. É verdade que ele existe desde 1993. A polícia disse que o tinha desbaratado, mas os fatos mostram o contrário.
- Também estou espantado com o que tenho lido nos jornais. Só uma quadrilha bem organizada e eficiente poderia provocar levantes em 48 presídios, ataques a delegacias e residências de policiais, além de metralhar bancos e queimar ônibus, e tudo isso ao mesmo tempo. Houve, sem dúvida, uma ordem que partiu de um comando central, cuja decisão se obedece sem discutir.
- O PCC, se não me equivoco, atua como uma organização paramilitar, composta de homicidas cheios de ódio e revolta, decididos a se vingar de seus opressores, ou seja, o aparelho repressor do Estado, e assustar a sociedade. No estatuto, a central de comando é intitulada de Quartel-General.
- Segundo li na imprensa, deduzo que o PCC constitui a elite dos criminosos que atuam disciplinadamente dentro e fora dos presídios. Não é qualquer um que pode se tornar membro dele.
- Basta ler o seu estatuto. Lá está escrito que os membros da organização que estejam em liberdade estão obrigados a ajudar os "irmãos" que estão presos, do contrário "serão condenados à morte, sem perdão".
- Trata-se de uma entidade com características muito especiais e estranhas. Ao mesmo tempo que o comando garante seu poder pelo terror, trata a todos como irmãos e exige total solidariedade entre todos eles. Os criminosos referem-se ao PCC como "partido", instituição política, e não obstante se configura também como uma seita religiosa.
-Sabe que, dentro das penitenciárias, os membros do PCC evitam se envolver em brigas pessoais e estão proibidos de praticar violência contra os companheiros de prisão, como roubo, estupro, agressão? Devem dar exemplo aos demais presos e, por isso, são respeitados e temidos.
- É, eles procuram demarcar o limite entre os bandidos e o resto da sociedade, de modo a se definirem como uma irmandade vítima da violência carcerária e que, por isso, deve responder a seus inimigos com redobrada violência.
- Por isso mesmo são temidos, não só pelos demais presos como pelos agentes penitenciários. Um desses agentes disse a um repórter que, se algum deles tenta tomar um celular de um desses bandidos, ouve a seguinte ameaça: "Vou mandar matar tua família". Pelo sim, pelo não, o agente penitenciário desiste.
- Mesmo porque ele sabe que a organização atua também fora do presídio.
- Essa dupla atuação, dentro e fora do sistema carcerário -que ficou demonstrada nesses dias de violência-, é uma das principais forças do PCC.
- E a sua principal arma, talvez mais até do que as armas de fogo, é o telefone celular. Graças a ele, o comando dirige a organização de dentro das penitenciárias e a amplia incessantemente. Sem ele, a avalanche de violência que desabou sobre São Paulo não teria ocorrido.
- O PCC alardeia que já está organizado em todo o Estado de São Paulo e se organiza paulatinamente em âmbito nacional.
- Isso ficou evidente quando a sublevação se espalhou pelos presídios de São Paulo e de outros Estados.
- O telefone celular dispensa o contato pessoal, viabiliza acordos e compromissos entre cidades e Estados distantes, não importando se os dirigentes das quadrilhas estão livres ou presos.
- Desse modo, parece que está se formando um partido clandestino para dirigir toda a população carcerária do país.
- Um partido que defenderá o direito do bandido ser bandido.
- Se terá representação no Congresso, não sei. De qualquer modo, representa um grave perigo para a sociedade: o perigo de tornar a segurança do Estado brasileiro refém de uma organização criminosa.