quarta-feira, abril 26, 2006

A verdade da fome

A verdade da fome

EDITORIAL
O Globo
26/4/2006

A pesquisa sobre o nível de nutrição das crianças no semi-árido distribuído entre a região nordeste e o norte de Minas dá à sociedade brasileira motivos para comemorar. Realizada em 2005 pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com apoio do Ministério da Saúde, o levantamento mostra uma evolução notável. Entre crianças de até cinco anos de idade, o índice de desnutridos, definido por deficiências de peso e altura, caiu, de 1996 a 2005, de 17,9% para 6,6%. Embora o resultado ainda esteja distante do indicador aceitável de 2,3%, o avanço é animador.

O êxito alcançado até agora nessa luta fica ainda mais visível quando se considera que esse índice já foi de 47,8% em 1975 e 27,3% em 1989. Para efeito de comparação, em algumas regiões da Índia há 50% de desnutridos entre crianças; em países africanos, de 30% a 40%. Mesmo na Argentina, a taxa se encontra em aproximadamente 12%. O estudo vem em bom momento, por coincidir com um ano eleitoral, em que é preciso debater, entre outros temas, a eficiência dos gastos ditos sociais. Uma das importantes conclusões da sondagem é que não se pode creditar isoladamente a um programa o mérito pelo êxito. A redução da desnutrição de 1975 a 1989 antecede, por exemplo, a toda a rede de amparo social lançada na era Fernando Henrique e ampliada no governo Lula sob o guarda-chuva do Bolsa Família. Há uma série de fatores ligados à modernização do país que se combinam para aumentar a expectativa de vida da população, reduzir a mortalidade, debelar a desnutrição etc. Entre eles, relaciona o pesquisador Carlos Augusto Monteiro, da USP, o saneamento básico, a assiduidade a postos de saúde e hospitais e a melhoria no nível de escolaridade.

Pode ser que o candidato Lula aproveite para enaltecer o Bolsa Família. Será um exagero, embora o programa tenha dado sua contribuição positiva. Mas relativa: dos 11,3 pontos percentuais da queda do índice de 1996 a 2005, dois pontos podem ser creditados ao Bolsa Família. Este é mais um dado a ajudar no balanço de custo e benefício dos bilhões despejados no Bolsa Família enquanto áreas estratégicas, e de alto impacto social, como a educação, ficam em segundo plano. Os 6,6% de desnutridos são 151.800 crianças. É possível saber nome e endereço de cada uma e tratá-las caso a caso, sem desperdícios e desvios de recursos públicos.