editorial |
O Estado de S. Paulo |
27/4/2006 |
O governo continua a aumentar seus gastos e sobram motivos para preocupação, depois de conhecida a evolução das contas públicas até março. Os números podem ter sido pouco melhores do que esperavam alguns analistas, mas isso não justifica nenhum otimismo, quando se comparam os deste ano com os de 2005 e 2004. Nos últimos dois anos, o setor público, especialmente a administração federal, acumulou gordura nos primeiros meses para queimar no segundo semestre. Entre janeiro e março de 2006, a gordura quase desapareceu e só com muita boa vontade se pode imaginar que o dispêndio, como tem dito o governo, será contido a partir de julho por causa das normas eleitorais. O risco é evidente. O grande aumento de gastos, principalmente da administração federal, é indisfarçável. O resultado primário do governo central caiu de R$ 17 bilhões no primeiro trimestre de 2005 para R$ 14,6 bilhões um ano depois, passando de 3,89% do Produto Interno Bruto (PIB) para 3,06%. A piora se deveu principalmente às despesas do Tesouro, com aumento de R$ 44,99 bilhões para R$ 51,92 bilhões de um ano para outro. Esses gastos se expandiram 15,4%, enquanto o PIB nominal, isto é, sem desconto da inflação, cresceu 9% no período. Não se arrumam as contas públicas quando o dispêndio aumenta mais - muito mais, nesse caso - do que a produção e a capacidade de contribuição dos pagadores de impostos. Os gastos cresceram principalmente nos itens de custeio. As despesas de pessoal e encargos aumentaram 14,6% em termos nominais. O item "outras despesas de custeio e capital" expandiu-se 12,7%, mas isso não indica um aumento importante do investimento. A maior parte dessa rubrica é formada por despesas de manutenção do aparelho governamental. Não é convincente, portanto, a justificativa apresentada várias vezes pelo ministro da Fazenda e outras figuras do primeiro escalão. Segundo eles, o governo decidiu inverter o cronograma do gasto público, acelerando o investimento nos primeiros meses. Seria a forma de acomodar a ação do governo às limitações do gasto em ano de eleições. Mas, na realidade, o dispêndio tem sido impulsionado pelo inchaço da folha de pessoal e encargos e por outros componentes do custeio. Um dia depois das contas do governo central, foi divulgado o relatório dos dados fiscais consolidados, com números de todos os níveis da administração pública direta e das companhias estatais. O resultado foi menos ruim do que projetavam analistas do mercado financeiro e de consultorias, mas os números são preocupantes. No primeiro trimestre, o superávit primário do setor público ficou em 4,39% do PIB, acima, portanto, da meta fixada para o ano, 4,25%. Só os muito otimistas podem considerar tranqüilizante esse resultado. Em 2004, o superávit primário equivaleu a 5,19% do PIB no primeiro trimestre e diminuiu para 4,59% no fim do ano. Em 2005, o número obtido nos primeiros três meses foi maior, 6,32%, e o resultado final não passou de 4,83%. Que se pode esperar para 2006, quando o superávit acumulado até março ficou em apenas 4,39%? O governo está praticando um jogo perigoso. A folga acumulada habitualmente no começo do ano desapareceu. O orçamento federal foi inflado no Congresso e o aumento do salário mínimo ainda afetará, nos próximos meses, a folha salarial de todos os níveis de governo e os gastos da Previdência. Além disso, o governo central continua a anunciar bondades eleitoreiras. O pacote mais recente aumentou as transferências aos municípios para a merenda escolar. Outras bondades poderão surgir nos próximos meses e é duvidoso que o Ministério da Fazenda se disponha, a partir de agora, a controlar mais severamente a evolução dos gastos. O novo ministro da Fazenda não demonstrou ter poder para resistir às cobranças do gabinete da reeleição. Além disso, ele já declarou que tentará alcançar apenas a meta de 4,25%. Ao limitar a meta do superávit primário, arrisca-se a errar o alvo e será isso que ocorrerá, provavelmente, se mantiver essa atitude nos próximos meses. |