Saque ao Tesouro |
EDITORIAL |
O Globo |
25/4/2006 |
Mesmo que não seja inédita a irresponsabilidade com o que o Congresso gasta o dinheiro do contribuinte, é sempre motivo de surpresa a descoberta de algum artifício pelo qual parlamentares fazem a festa com recursos públicos. Como agora, segundo reportagem do GLOBO, com o uso fraudulento da tal "verba indenizatória", uma rubrica no orçamento da Câmara dos Deputados criada em 2001 por uma Mesa presidida por Aécio Neves e de que fazia parte Severino Cavalcanti, o rei do baixo clero, levado a renunciar para escapar da cassação. Essa "verba" foi instituída com a justificativa — como sempre — de financiar a ação parlamentar dos deputados. E por meio dela cada um dos 513 representantes do povo pôde começar a sacar do Tesouro até R$ 15 mil por mês, desde que apresentasse os recibos das despesas. Alguns deputados preferiram manter distância de mais essa gazua criada para abrir os cofres públicos. Mas não foi a regra. Apenas no ano passado, deputados colocaram a mão em R$ 41 milhões a título de reembolso por gastos com combustível, sem que a Câmara checasse com os cuidados devidos a origem dos recibos. Se os auditores da Casa tivessem procurado o posto Trevo, em Boa Vista, Roraima, como fez o jornal, descobririam que o deputado Francisco Rodrigues, do PFL, por exemplo, abasteceu veículos e máquinas de sua empresa de terraplenagem à custa do erário. O próprio Rodrigues confirmou fazer "uma verdadeira alquimia" com as notas desse e de outros postos para prestar contas à Câmara — uma clara confissão de mais desvios fraudulentos. Um erro de cálculo tornou a reportagem até benevolente com a Câmara: se tivessem gastado os R$ 41 milhões na compra de gasolina, os deputados poderiam ter dado pouco mais de 4 mil voltas ao mundo, e não 64 como publicado. A primeira reação do presidente da Casa, Aldo Rebelo, foi acolher a esperta proposta de deputados de incorporar os R$ 15 mil ao subsídio que já recebem. Inaceitável. O parlamentar precisa de condições para exercer o mandato. Mas dentro da ética e da lei. Além disso, os deputados já se beneficiam de outras verbas, como a de gabinete, de R$ 50,8 mil mensais. Em 2005, a Câmara custou ao país R$ 2,6 bilhões, três vezes mais que os investimentos na saúde pública, de carências notórias. É demais. |