sábado, abril 01, 2006

Roberto Pompeu de Toledo Sobre mulheres e homens

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O argumento extremo da Guadagnin,
a ministra Ellen Gracie, a diva
Sarah Bernhardt e um defensor
da masculinidade

A deputada Angela Guadagnin gastou seu mais desesperado cartucho, na semana passada, ao puxar do fundo do baú, em discurso na tribuna da Câmara, o argumento estético. "Porque sou gorda, porque não pinto os cabelos...", disse ela – e, num crescendo de indignação: "Porque sou do PT..." Seria por isso que foi tão censurada pela dança com que comemorou a absolvição do colega João Magno, um dos beneficiários do valerioduto. O argumento pretende cortar fundo. Para testá-lo, imaginemos a contraprova de uma bonitona, magrinha, e que não tem cabelos grisalhos na mesma cena. Por exemplo, a ex-deputada Rita Camata, que além de tudo ainda conta com o fato de não ser do PT, para citar outra das desvantagens que, segundo a Guadagnin, somaram em seu desfavor. Imaginemos Rita a evoluir entre as cadeiras do plenário, bracinho para cá e bracinho para lá, sorriso nos lábios, quadris requebrando, depois da absolvição de um colega de partido que tivesse encaçapado uma bolada de obscura origem.

Pensando bem... Não. Não há razão para imaginar que a situação lhe fosse mais favorável do que foi à deputada Guadagnin. Podia ser até pior: lá vai ela, essa Rita, esbanjando alegria quando devia ficar quieta, e ainda por cima com essa empáfia de gente bonita, esse exibicionismo... Não, deputada Guadagnin. A gordura e os cabelos grisalhos até funcionaram a seu favor. Deram um ar de despretensão à dancinha, no plano artístico. Funcionaram como atenuantes.

A visita da ministra Ellen Gracie Northfleet, do Supremo Tribunal Federal, à Comissão de Justiça do Senado, onde seria sabatinada antes de assumir a presidência do Conselho Nacional de Justiça, foi mais ou menos como a visita de Sarah Bernhardt a São Paulo, em 1886. Tanto entusiasmo a diva francesa provocou nos estudantes da Faculdade de Direito que eles desatrelavam os cavalos e puxavam, eles próprios, a carruagem em que ela se deslocava pela cidade. "Ouvi falar muito de sua competência, de seu conhecimento jurídico e de sua intelectualidade, mas meu voto leva ainda em conta a beleza e o charme", disse à ministra Gracie o senador Wellington Salgado. Outro senador, Mozarildo Cavalcanti, invocou a privilegiada perspectiva que lhe confere sua especialidade profissional para, na pessoa da ministra, estender uma homenagem a todas as mulheres: "Como ginecologista, aprendi a lidar de perto com as mulheres, a entender muito profundamente a sensibilidade feminina".

A propósito da visita da Bernhardt, Eça de Queiroz, que não perdoava essas coisas, escreveu que dali para a frente as divas em visita a São Paulo diriam aos criados, antes de sair do hotel: "Estou pronta. Mande atrelar os estudantes". Ellen Gracie, na próxima visita ao Congresso, poderá exigir uma carruagem. Dirá, antes de deixar o Supremo: "Estou pronta. Mande atrelar os senadores". Ellen Gracie assumirá agora a presidência do Supremo Tribunal. Imagine-se o que está por vir. Ficará provado não que as mulheres não estejam preparadas para presidir o Supremo, mas que o Brasil não está preparado para ter uma mulher à frente do Supremo.

Harvey C. Mansfield é um eminente professor de ciência política em Harvard, tradutor para o inglês de Maquiavel e Tocqueville, ideologicamente alinhado com os neoconservadores que se incumbem da forragem intelectual do governo Bush. Mansfield, fugindo de seus temas habituais, lançou um livro intitulado Manliness (Masculinidade), algo que, a seu ver, se encontra em via de desaparecimento. O professor foi entrevistado recentemente pela jornalista Deborah Solomon, do New York Times, que começou por lhe perguntar o que seria a masculinidade. Resposta: "Numa rápida definição, é ter confiança numa situação de risco". Mas a tecnologia não diminuiu muito as situações de risco, especialmente as de risco físico?, volta a jornalista. Mansfield diz que sim, mas "masculinidade é mais uma qualidade da alma".

Segue a entrevista, em águas mais ou menos turbulentas. A certa altura, para provar que "certas coisas não mudam", o professor argumenta que "98% dos porteiros de Nova York são homens". A jornalista contra-argumenta que cada vez menos profissões dependem de força física, e replica: "Quando foi a última vez que o senhor fez algo que precisava de força física?" Mansfield: "É verdade que nada em minha carreira dependeu de força física, mas minhas relações com as mulheres, sim". Em que tipo de situação?, quis saber a jornalista. "Levantando coisas, abrindo coisas. Minha mulher é muito pequena", responde Mansfield. "O que o senhor levanta?", insiste a jornalista. Mansfield: "Móveis. Não toda noite, mas rotineiramente". E eis como um defensor da masculinidade acaba por reduzir os homens a levantadores de cadeiras e mesas, camas e criados-mudos, meros reprodutores do mudo ofício das alavancas, simples alternativas, nos melhores casos, ao útil trabalho dos macacos hidráulicos.