Por iniciativa insondável do deputado Sandes Jr. (PP-GO), entrou na pauta de votação da Câmara uma idéia que merecia figurar apenas no seu anedotário. Trata-se da proposta de emenda à Constituição que permite a efetivação de um servidor público num órgão diferente daquele para o qual prestou concurso. Apresentada em 2003 por Gonzaga Patriota (PSB-PE), a emenda exige apenas que o servidor ocupe o novo cargo por um período de três anos antes de obter a efetivação. Como apontou ontem nesta Folha a colunista Eliane Cantanhêde, a aprovação da medida abriria a possibilidade de compadrios de toda sorte e seria o suficiente para transformar os concursos públicos, quando não em mera formalidade, num trampolim para o favorecimento indevido. O artigo 37 da Constituição Federal não deixa margem à ambigüidade ao determinar a realização de concurso para todos os cargos públicos que não sejam de livre provimento. É igualmente claro ao associar o tipo de seleção à natureza e à complexidade do cargo a ser ocupado. A um só tempo, a proposta põe por terra o ajuste elementar entre preparo e função, desestimula a meritocracia no funcionalismo e atropela o direito individual de acesso igualitário aos cargos públicos. O projeto também ultrapassa a competência da Câmara. Pretende alterar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao passo que a função reformadora do Congresso Nacional deve restringir-se ao texto constitucional, como se lê no artigo 59 da Carta. Ultrapassar esses limites, pois, é também uma ameaça ao equilíbrio entre os Poderes. Em ano eleitoral, é praxe entre parlamentares tentar beneficiar suas clientelas. Resgatar do limbo uma idéia tão inoportuna, a essa altura, é atitude que somente se pode explicar à luz desse propósito mesquinho. |