sábado, abril 29, 2006

Lya Luft Quebrar o silêncio

VEJA


"Escrevo sobre o drama de falar quando
seria melhor calar, de
ficar quieto quando
uma palavra teria sido a salvação, e a gente
não sabia – mas devia ter sabido"

Começo a escrever um novo livro, um ensaio sobre o silêncio: o silêncio bom e o silêncio mau, o necessário e o danoso, o inevitável e o que nasce nos porões da nossa covardia.

Escrevo sobre o drama de falar quando seria melhor calar, de ficar quieto quando uma palavra teria sido a salvação, e a gente não sabia – mas devia ter sabido.

Escrevo sobre o silêncio entre as gerações, eterno conflito. Nem sempre escutamos nossos filhos para sentir como estão. Assim nasce o silêncio da omissão, quando devíamos estar presentes. Difícil é saber qual o momento de interferir, orientar e exigir (por que temos tanta dificuldade de exigir coisas dos filhos?), e quando é melhor apenas observar, para que o outro se desenvolva.

Atômica Studio


Escrevo sobre a barreira inegável entre os gêneros, região de silêncios doloridos, zona interdita entre masculino e feminino, fonte de desencontros e sofrimento, mas também de superação e descobertas. Desperdiçamos momentos bons porque nos entregamos à negatividade: não vemos a boca do beijo, porque tememos a mordida. Nem percebemos direito nosso próprio rosto no espelho, e assim escolhemos coisas que nos desconstroem.

Escrevo sobre o silêncio dos que se desconstroem, matando-se lentamente na droga e em outros modos de autodestruição: com quem dialogam nesse caminho, que voz escutarão, o que os leva à irrealidade? Mesmo nossas esperanças e impulsos positivos são vozes que podem ser libertárias ou fatais.

Pensei nisso especificamente ao assistir ao filme Capote, e ao reler uma biografia desse autor americano que traduzi há muito tempo. Brilhante, talentoso, Truman Capote superou uma infância de desamor e abandono para se tornar o querido dos ricos e importantes na sociedade. Ao chegar ao cume do sucesso, como acontece com tantos, não suportou: não tinha nascido para ser feliz. Então começou a se destruir, correndo atrás das vozes mais sombrias.

No livro que começo a escrever, falo de surdez e mordaça, mas também de visão e cegueira.

O filósofo inglês John Gray, autor de Cachorros de Palha, diz que a humanidade não nasceu para isso que tanto busca – conquistar, possuir –, mas simplesmente para aprender a enxergar.

Talvez não haja outra saída para as loucuras humanas a não ser olhar o outro com respeito. Tolerar não é respeitar. Alguém disse que o mais importante entre as pessoas não é a tolerância, que é benevolente, mas o respeito, que vem do conhecimento.

Olhar, ouvir, conhecer e reagir: algo bem diferente da hipocrisia dos que têm voz, influência, poder e posições importantes, mas fecham olhos e bocas diante da humilhação geral de ver inocentes sendo caluniados e culpados sendo absolvidos. Que se divertem com nosso assombro ao ouvir que estamos chegando à perfeição em setores nos quais enxergamos ruína e decadência.

Se não somos surdos nem cegos, tendo ouvido e enxergado será preciso que falemos: cada um do seu jeito, do jeito que pode ou consegue. Não precisa ser numa coluna de revista, num palanque, numa página de jornal: pode ser em casa, na sala de aula, na esquina, no ônibus.

Ou no recinto da nossa liberdade e da nossa maior força, ali onde podemos de verdade mudar o que deve ser mudado: a urna do voto secreto, minúsculo espaço onde cada um de nós é rei.