segunda-feira, abril 24, 2006

Em defesa da globalização

OESP
Em defesa da globalização

Carlos Alberto Sardenberg*

Arevista The Economist não assina matérias. No jargão dos jornalistas, isso quer dizer que não é indicado o nome dos autores das reportagens e análises. As opiniões e informações são sempre da revista: The Economist acha... The Economist revelou... The Economist entrevistou...

Mesmo as colunas têm nomes fantasia, como Lexington, Bagehot, Valor de Face, Foco Econômico, etc. Até críticas de livros, sempre mais subjetivas, aparecem como produção impessoal da revista.

Há uma exceção: quando o editor-chefe se retira, ele tem o direito de assinar um editorial. E, assim, Bill Emmmott, na edição de 1º de abril, despediu-se de 13 anos no comando da clássica publicação, lançada há 163 anos com o propósito de "fazer campanha pelo livre comércio e por todas as formas de liberdade". Ou o que se chamaria hoje de globalização, como nota ele.

O seu texto apresenta um balanço muito favorável do andamento da campanha da revista em seu período como editor. Eis algumas comparações relevantes:

Em 1993, ano em que Emmott assumiu The Economist, a economia mundial crescia a uma taxa medíocre de 1,2% ao ano, com inflação de cerca de 35%;

nos 13 anos seguintes, de ampla liberalização pelo mundo afora, o produto mundial cresceu na média de 3% ao ano, acumulando expansão de 45% no período; e isso em meio a uma dramática redução da inflação, que atingiu 3,7% em 1995;

a população mundial cresceu 18% no período, mas o produto per capita aumentou quase 40%, utilizando-se o critério de Paridade de Poder de Compra, que ajusta as economias nacionais aos diferentes níveis de poder de compra;

conforme dados do Banco Mundial, em 1993, 22% da população mundial vivia com menos de um dólar por dia, isso representando 1,2 bilhão de pessoas;

já em 2001, essa proporção de pobres caíra para 17,8%, ou cerca de 1 bilhão de pessoas;

conforme o economista Martin Ravallion, especialista do Banco Mundial, mantidas as atuais tendências da economia mundial, incluída a expansão da globalização, o número de pessoas vivendo com menos de um dólar ao dia cairia para 620 milhões por volta de 2015, apenas 9% da população;

em 1993, a taxa média de desemprego entre os países desenvolvidos era de 7,8%; hoje é de 6,3%.

Bill Emmott analisa duas ressalvas comumente feitas:

A redução da pobreza ocorreu quase que apenas na Ásia;

e houve aumento da desigualdade de renda nos países ricos.

Sobre a primeira, registra que, de fato, a África retrocedeu, isso em conseqüência de guerras, doenças arrasadoras e da roubalheira praticada por grande parte das elites governamentais. Mas essa constatação, observa, deve justamente encorajar quem defende a liberalização e a abertura. Afinal, onde isso ocorreu fortemente, nos tigres asiáticos, foi onde a pobreza se reduziu de forma mais rápida. E "apenas a Ásia" representa metade da população mundial.

Sobre o aumento da desigualdade, Emmott sustenta que isso ocorreu porque "a forte expansão da força de trabalho global, representada pela liberalização da China e da Índia, jogou para baixo o rendimento dos trabalhadores não-qualificados em todos os países". Ou seja, com centenas de milhões de chineses e indianos disputando trabalho, os salários caem em escala mundial.

Por outro lado, a ampliação do uso da tecnologia da informação também desnivela os salários, aumentando os rendimentos dos mais educados e reduzindo os de menor escolaridade.

Resumindo, a pobreza reduziu-se em todos os países que entraram na globalização, mas a desigualdade aumentou. A China é a precisa demonstração disso. O avanço capitalista traz para as cidades ex-camponeses que trabalham por pouco dinheiro, mas que representa um progresso para eles, diante da profunda pobreza rural. Ao mesmo tempo, surgem os novos milionários chineses, os empreendedores que aproveitam as oportunidades do sistema aberto.

De todo modo, nota o ex-editor da revista The Economist, é justamente essa desigualdade que vem estimulando o ressurgimento do nacionalismo econômico na Europa e nas Américas.

Por outro lado, o jornalista mostra que a liberalização política acompanhou a econômica. Eis as comparações, conforme dados do instituto Freedom House:

Em 1993, 20% da população mundial vivia em países totalmente livres, em termos de direitos políticos e liberdades civis; 40% estavam em países parcialmente livres;

em 2005, 46% moravam em países totalmente livres.

Se é assim, por que há tanta resistência, hoje, à globalização?

Para Emmott, isso deriva, de um lado, do aumento da desigualdade, que, digamos, aparece mais que a redução da pobreza. Mas outra causa importante da descrença do mundo em relação à liberalização vem do desastre do Iraque.

A revista The Economist apoiou a invasão americana do Iraque em março de 2003. Hoje, o editor afirma que a decisão, ainda que apoiada em informações erradas e distorcidas, continua sendo sustentável. Foi mal, mas teria sido pior não intervir, tal é o argumento.

Discutível, é claro. Menos discutível, porém, são as conseqüências do fracasso na reconstrução política do Estado iraquiano. Isso tornou o Iraque um local mais perigoso, mas também o mundo. O desastre da ação americana e dos aliados no Iraque justifica ações terroristas por toda parte e, ainda por cima, observa Bill Emmott, "os princípios pelos quais Bush diz estar lutando - democracia, direitos humanos - são desmoralizados pela flagrante injustiça (da prisão) de Guantánamo e de outras detenções extrajudiciais".

Tudo considerado, o editor da revista The Economist acha, sim, que a globalização e o progresso na redução da pobreza que ela trouxe correm riscos. Políticos de toda parte, comenta, podem decidir que os custos da globalização são maiores do que os custos do isolamento, do fechamento comercial, das restrições à livre atividade econômica.

Seria um desastre, diz Emmott. O século 20 começou ensaiando um avanço da globalização, logo detida pelos regimes nacionalistas/socialistas/comunistas. E foi o mais sangrento século das ditaduras. Este século 21 também começou no embalo da globalização e da liberalização. A História se repetirá?

*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista. Home page: www.sardenberg.com.br

   



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