quarta-feira, abril 26, 2006

'Drive-thru' do tráfico

'Drive-thru' do tráfico

editorial
O Estado de S. Paulo
26/4/2006

As facilidades do drive-thru e do atendimento 24 horas oferecidas pelo comércio de São Paulo chegaram ao tráfico que, impunemente, transformou a Avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul, em shopping da droga, a céu aberto. A via se localiza nas vizinhanças do eixo das Avenidas Faria Lima-Juscelino Kubitschek-Luiz Carlos Berrini, tomado por centenas de edifícios comerciais inteligentes e sofisticados condomínios residenciais. Há anos, a região já figurava no mapa da criminalidade como preferida pelos ladrões de notebooks. Agora, virou ponto-de-venda de droga.

"Farinha, aqui farinha! Olha a droga, olha a droga!", avisam os traficantes aos motoristas. Os consumidores e os vendedores têm seus códigos. Carros em baixa velocidade e lanternas acesas são dirigidos por clientes que encostam diante do primeiro vendedor, pedem o que desejam, pagam e pegam a droga na próxima parada, metros adiante. A reportagem do Jornal da Tarde flagrou, na semana passada, esse e outros esquemas de venda. Tudo às claras, para qualquer um ver. Policiais militares que faziam a ronda na região confirmaram à reportagem que tinham conhecimento do comércio de drogas na avenida, mas que a sua apreensão e a prisão dos traficantes não resolveriam o problema. "Aqui você pode tirar (fazer apreensão) de tonelada (de drogas), que na volta já tem outro atendendo no mesmo ponto", disse um PM.

Onde o Estado não se faz presente, a criminalidade se instala. A responsabilidade sobre a situação na Avenida Jornalista Roberto Marinho e ruas próximas é dos governos estadual e municipal. Falta polícia e políticas de urbanização da região.

A Favela Edith, que toma até o asfalto da avenida, abriga não só os traficantes como as gangues que assaltam nos semáforos próximos e as quadrilhas especializadas em seqüestros relâmpagos que atuam nas redondezas. A favela chegou a ser extinta em meados dos anos 90 por um pool de empresários da região em parceria com a Prefeitura.

Criaram a Associação de Promoção Habitacional com o objetivo de promover a valorização imobiliária da região. A Avenida Luiz Carlos Berrini e vizinhanças recebiam, na época, empresas de tecnologia, de serviços e financeiras. Os empresários financiaram a retirada dos moradores e a favela desapareceu, mas a Prefeitura não fiscalizou nem aplicou os instrumentos disponíveis contra a especulação imobiliária, como o IPTU progressivo. Em pouco tempo, os terrenos foram novamente invadidos.

A Avenida Jornalista Roberto Marinho é objeto de uma operação urbana, estabelecida pela Lei 13.260, de 2001, que prevê a reurbanização de 3,3 milhões de metros quadrados nas redondezas. Em julho de 2004, foi realizado o primeiro leilão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), títulos que rendem recursos antecipados ao governo municipal e podem ser trocados por benefícios legais - à iniciativa privada é dado o direito de construir além dos limites permitidos pelo zoneamento - ou vendidos no mercado financeiro. A venda do primeiro lote rendeu à Prefeitura R$ 35 milhões.

Em vez de iniciar a operação urbana pelo projeto de construção de 8,5 mil moradias para os favelados, a administração Marta Suplicy decidiu usar o dinheiro na construção de um complexo viário para ligar a avenida à marginal direita do Rio Pinheiros, obra que teria maior apelo na campanha pela reeleição da ex-prefeita. Os viadutos foram inaugurados há um mês pelo então prefeito José Serra.

Erra a Prefeitura e erra gravemente o governo estadual na área da Segurança Pública. O conformismo na declaração do PM é conseqüência da falta de vontade do governo em combater efetivamente o tráfico. Livrar a avenida dos traficantes e pôr um fim à impunidade dos consumidores de drogas é urgente ou o abuso se estenderá para outros locais de São Paulo.

Os condomínios residenciais, empresariais e as redes de hotéis que ali se instalaram e que atraem milhares de pessoas diariamente pagam caro por estar numa das regiões mais nobres da cidade. Empreendedores e população têm direito à segurança pública.