Celso Ming - Febre por metais |
O Estado de S. Paulo |
25/4/2006 |
Em sua edição de domingo, o jornal The New York Times conta que a United States Mint, a casa da moeda americana, está enfrentando um problema novo: o centavo de dólar está custando 40% mais do que um centavo de dólar. A disparada dos preços dos metais chegou a tal ponto que um centavo leva 0,8 centavo em metal contido, especialmente cobre e zinco. Como a cunhagem de cada moedinha sai por 0,6 centavo, segue-se que o custo de um centavo é hoje de 1,4 centavo. Do início de 2003 até sexta-feira, as cotações do cobre saltaram 281,7%; as do zinco, 286,9%; as do estanho, 111,7%; e as do níquel, 100,3%. A febre por metais ficou tão forte que faltam pneus de grande porte, usados em scrapers e megatratores de mineração. Conforme conta The New York Times, os preços de alguns desses pneus chegam a US$ 40 mil por unidade, quatro vezes mais do que há um ano. Nesse período, a China ficou conhecida não só como grande compradora de metais primários, como também de sucatas. Outra manifestação do mesmo fenômeno tem sido relatada por jornais americanos. Práticas que só se viam em países subdesenvolvidos, como roubo de cabos de cobre e tampos de bueiro, começam a alastrar-se também pelos países ricos. Na calada da noite, até pontes de aço vêm sendo desmontadas e vendidas como sucata. Como se sabe, o petróleo também está cada vez mais raro. Sexta-feira, em Nova York, as cotações da referência, o West Texas Intermediate, atingiram o recorde de US$ 75,17 por barril de 159 litros. Como já era esperado, ontem os preços recuaram e fecharam a US$ 73,33 por barril. Mas esse mercado segue convulsionado, sujeito a trancos variados. Ainda na semana passada, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, avisou que os preços chegariam brevemente aos US$ 100 por barril. Claro, muito do que Chávez tem dito é pura fanfarronice. O diabo é que ele é o manda-chuva do terceiro maior exportador mundial de petróleo (depois da Arábia Saudita e do Irã) e o que ele está dizendo já foi ouvido de analistas do setor, que supostamente não têm interesses pessoais ou políticos nesse negócio. Ontem, o diretor-executivo da International Energy Agency (IEA), Claude Mandil, advertiu na abertura do Fórum Internacional de Energia em realização no Catar que os atuais desafios do mercado só podem ser enfrentados eficientemente com mais investimentos e mais transparência. Quando os preços disparam, ninguém precisa pedir mais investimentos. Eles acontecem naturalmente, à medida que aumenta a coceira do lucro. Por isso, quando Mandil pediu mais investimentos e mais transparência é porque o principal fator de incerteza é a baixa confiabilidade das estatísticas do setor. O relatório da IEA editado há alguns dias mostrou que, no primeiro trimestre deste ano, a demanda de petróleo no mundo foi de 85,2 milhões de barris diários. No mesmo período, a oferta foi mais curta, de 84,5 milhões de barris diários. A estocada dos preços tem a função de ajustar as duas pontas do mercado. Por aí se vê que a alta não se deve só a questões geopolíticas. Um punhado de comentaristas afirma que grandes especuladores internacionais vêm puxando os preços. Isso é só um pedaço da verdade. Os especuladores só têm obtido sucesso na especulação porque os fundamentos desses mercados, tanto de metais como de petróleo, o têm permitido. Se desta vez estão especulando com a alta e ganhando dinheiro com isso é porque os fundamentos são de alta. Mais demanda não é exatamente igual a mais consumo porque parece haver uma corrida à formação de estoques, especialmente pela China. O presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, crê que, em um ano, a China estocou ao menos 100 milhões de barris, número até baixo, porque não passa do equivalente a três meses de consumo. Enfim, o segredo virou a alma do negócio do petróleo. Até mesmo as estatísticas da IEA deixaram de ser confiáveis. Falta saber até onde este nosso cada vez menos vasto mundo agüenta tanto tranco. |