Celso Ming - Evo ataca, Lula se omite |
O Estado de S. Paulo |
26/4/2006 |
No programa Roda Viva, da TV Cultura, levado ao ar nesta segunda-feira, o presidente da Bolívia, Evo Morales, abandonou ambigüidades e disse coisas graves sobre a Petrobrás. Disse, por exemplo, que a empresa saqueia o povo boliviano: "A Petrobrás deve respeitar a vontade soberana do povo que, mediante referendo, decidiu nacionalizar e recuperar esses recursos naturais para os bolivianos. Antes era 18% para o povo e 82% para as empresas. Isso é roubo, é saque." Referiu-se a uma dívida suspeita da Petrobrás: "Quero pensar que é uma dívida, quem sabe uma questão econômica, e não uma dívida violando as leis do Estado boliviano. Mas isso será investigado." E acrescentou: "Se querem que eu fale da Petrobrás, há muitos problemas." E insistiu na corrupção, "o maior problema da Bolívia", a ponto de deixar a impressão de que concessões obtidas em governos anteriores envolveram suborno ou práticas correlatas. Para Morales, os contratos internacionais não parecem assegurar direito adquirido. E, ao afirmar que "as empresas de petróleo ou de serviços que se submetem às leis bolivianas terão segurança jurídica", sugeriu que a garantia jurídica é dada pelo Executivo boliviano e não pelo Judiciário. Morales foi mais duro com a EBX, siderúrgica que estava sendo instalada no leste da Bolívia. A ela deixou duas opções: abandonar a Bolívia ou ser expulsa. Ontem, o presidente da EBX, Eike Batista, anunciou que decidiu pelo abandono. Mas este assunto não envolve diretamente interesse público brasileiro. Na edição do dia 31 de março, esta coluna advertia que o governo Lula está deixando a Petrobrás sozinha diante das acusações que autoridades do governo boliviano, principalmente o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, têm feito à Petrobrás. Ou deixa que o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, rebata as críticas ou, então, despacha algum emissário do Itamaraty para executar uma operação abafa que deixe tudo na mesma. Em nome da superação de relações econômicas e comerciais que as autoridades bolivianas consideram neocolonialistas, o governo boliviano planeja reduzir a Petrobrás e demais companhias estrangeiras de petróleo que operam em território boliviano a meras prestadoras de serviço. Gabrielli já deixou claro que isso não interessa. Em todo o caso, se o povo boliviano quer rever as regras do jogo prevalecentes até agora, tem todo direito de fazê-lo, desde que respeite os contratos anteriores. A Petrobrás é uma empresa pública, controlada pelo Tesouro brasileiro. Se está sendo atacada publicamente por um chefe de Estado de país vizinho, deveria merecer resposta à altura do chefe de Estado do Brasil. Por que o presidente Lula se omite? Na verdade, não estão em jogo apenas interesses específicos da Petrobrás, enquanto multinacional do petróleo que investiu US$ 1,5 bilhão na Bolívia - investimento que Morales considera mais do que recuperado. Não estão em jogo só interesses soberanos do povo boliviano. Estão igualmente em jogo interesses soberanos do povo brasileiro, cujo abastecimento de gás natural, agora sob ameaça, está assegurado por contratos juridicamente perfeitos. Não é o presidente Morales que está sendo ambíguo com a Petrobrás. Ao contrário, está sendo muito claro: se quiser é assim; se não quiser, caia fora. É o presidente Lula que está sendo ambíguo com Morales que, por sua vez, considera Lula seu "irmão maior". O presidente Lula tem um projeto geopolítico que levanta desconfianças em seus vizinhos. Quer transformar a América do Sul em área de influência do Brasil, supostamente para enfrentar com mais poder de barganha o jogo pesado dos países ricos. Para quebrar a resistência dos vizinhos, o presidente Lula vai aturando desaforos que contrariam os interesses imediatos do Brasil. Este é apenas mais um deles. Lula corre o risco tanto de fracassar em seu sonho geopolítico como de deixar que sejam atropelados os interesses imediatos do Estado. |