segunda-feira, março 27, 2006

Serra: sair ou sair

Serra: sair ou sair
Artigo - JORGE DA CUNHA LIMA
Folha de S. Paulo
27/3/2006

Já usei esse título, aqui, na Folha ("Tendências/Debates", 21/3/94), quando FHC ainda relutava em sair do Ministério da Fazenda para se candidatar à Presidência da República. O conforto propiciado por um desempenho favorável -no caso, a implantação do real e a estabilidade inflacionária- poderia ter-lhe recomendado o imobilismo político. O risco da candidatura lhe valeu a Presidência, posição impensável para um professor universitário, ainda que ilustre. Da mesma forma, a insistência de Lula lhe valeu a mesma posição, coisa ainda mais impensável para um torneiro mecânico, igualmente ilustre.

Por outras razões, creio que Serra deve sair da prefeitura e se candidatar ao governo do Estado de São Paulo

Por outras razões, creio que Serra deve sair da prefeitura e se candidatar ao governo do Estado de São Paulo.
A escolha de Geraldo Alckmin marca uma clara mudança de geração no comando político da nação e do próprio PSDB. E isso é natural, porque, em política, o tempo joga suas cartas com alguma antecedência.
A geração que se formou politicamente nos anos 50 e de forma comportamental nos anos 60 foi dispensada por duas décadas pelo regime militar e voltou democraticamente nas eleições de 79 e 82. Alguns chegaram a exercer posições de governador e de senador, como Montoro, Tancredo, Covas e Brizola, mas não chegaram à Presidência, já que foram tragados, antes ou no decorrer, pela morte.
Toda essa geração -os que se foram e os que sobreviveram- exerceu esse longo período de transição democrática e, agora, será substituída, inexoravelmente, pelos novos grupos políticos, sob a liderança de Alckmin, Aécio, Perillo, Cássio ou Garotinho.
Os ilustres membros da geração postergada que sobreviveram só não serão aposentados pelo pijama porque a longevidade e a tecnologia oferecem excelentes oportunidades para que homens maduros dêem sua contribuição crítica à sociedade por meio de artigos, sites, blogs, conselhos, mensagens, palestras e outros instrumentos da modernidade.
Serra, contudo, é a transição entre essas duas gerações, embora germinado na primeira -na UNE, no Chile, em Cornell e no governo Montoro. Pode e será o elo necessário na transmissão de valores tão arduamente adquiridos. Além de uma experiência política amadurecida nos desafios da Guerra Fria, da ditadura e da transição democrática, Serra e seus contemporâneos possuem uma visão da economia e da sociedade anterior ao processo da globalização.
A geração que surge, liderada pelo governador Alckmin, é empreendedora, séria e pragmática e tem um grande talento administrativo e financeiro. Sente como tarefa imediata e inexorável pôr a nação em ordem.
Serra, em essência, é um macroeconomista. Tem mais atributos para consertar um país do que uma cidade. Eleito governador, poderá ajudar com mais presença o encaminhamento econômico do país numa direção desenvolvimentista, na qual as ciladas dos juros e do câmbio sejam resolvidas em favor da nação, e não da política eleitoral.
Felizmente, Alckmin já está emitindo claros sinais de que o modelo econômico vigente está moribundo e deve ser mudado com urgência.
Com imensa possibilidade de êxito, se candidato, Serra selaria a paz partidária, ajudaria a candidatura de Alckmin e seria ajudado por ela. Os votos do primeiro migrariam para o segundo, e vice-versa. Uma certa racionalidade, presente na carreira de ambos, ajudará a melhorar o nível da campanha, agora sob o risco de estimular as baixarias reveladas e praticadas no contexto das CPI.
Se ganharem juntos -a presunção da vitória é um dos elementos indispensáveis da disputa-, e ainda com outros governadores de peso, como Aécio Neves, o Brasil não poderá continuar a ser o mesmo. Uma administração monetarista, sem muito rigor ético e subordinada a receitas comprovadamente engessadoras da economia globalizada deverá ser substituída por um projeto de nação, com uma nova ordenação política e judiciária, com uma política macroeconômica desenvolvimentista, com uma política social baseada em salário e emprego, e não em mesadas paternalistas desestimulantes.
Certa vez, falando de Juscelino, Nelson Rodrigues emitiu uma sentença lapidar: "Amigos, o que importa é o que Juscelino fez do homem brasileiro. Deu-lhe uma nova e violenta dimensão interior. Sacudiu dentro de nós insuspeitadas potencialidades. A partir de Juscelino, surge um novo brasileiro".
Da mesma forma, eu diria que esse choque de confiança no país e em si mesmos é o que os cidadãos esperam dos novos governantes. Cansamos de cartilhas partidárias que só beneficiam seus membros e de modelos econômicos que só sacrificam a população.
Não só porque as pesquisas estão favoráveis mas também porque não se pode brigar, tão teimosamente, contra o destino e a conjuntura, Serra deve candidatar-se. Conheço Serra desde a UNE e sei que, para ele, a teimosia é uma virtude moral, mas também sei, como amigo, que o risco é uma virtude indispensável para qualquer político.

Jorge da Cunha Lima, 74, jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e da Abepec (Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais), e vice-presidente do Itaú Cultural.