sexta-feira, março 31, 2006

O CORDEL DO MINISTRO

EDITORIAL DA FOLHA
 
Em meio ao festival de desatinos éticos protagonizado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva, dois ministros que só participavam lateralmente do lamentável espetáculo roubaram anteontem a cena ao envolver-se num deprimente bate-boca que incluiu palavras de baixo calão e ameaças dignas de colegiais.
Não é de hoje que o ministro das Comunicações, Hélio Costa, vem fazendo lobby em favor do padrão japonês da TV digital. Já foi até criticado por esta Folha por não ser capaz de arbitrar de forma isenta a disputa, como a sua posição exigiria. Mas, se Costa faltou para com a dignidade do cargo, o titular da Cultura, Gilberto Gil, achincalhou a autoridade do posto de ministro de Estado ao ler, durante um evento público, um cordel em que seu colega das Comunicações é chamado de "empresário boçal" defensor de monopólios e do qual constam outros termos impublicáveis neste espaço.
A título de resposta, Costa referiu-se ao colega como "Gilberto vil", a quem qualificou como "despreparado" e proferidor de "idiotices". Para arrematar, desafiou o titular da Cultura a repetir o cordel diante da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que se viu, assim, à revelia transformada numa espécie de fiscal do gabinete Lula. Ontem, Gil emitiu nota em que pede desculpas a Costa.
É saudável que existam divergências dentro de um governo. É fundamental, porém, que elas sejam resolvidas "intra muros" e com recurso a argumentos e demonstrações racionais. Quando as disputas se dão diante dos olhos do público e envolvem troca de insultos e palavrões, a desmoralização é total.
Em outras paragens, uma manifestação dessa natureza resultaria na demissão sumária dos dois ministros. No Brasil de Lula, porém, os descalabros são tamanhos e tão graves que a demonstração de descompostura dos titulares da Cultura e das Comunicações parece um episódio menor.