quarta-feira, março 29, 2006

A MISSÃO DE MANTEGA

EDITORIAL DA FOLHA
 
A MISSÃO DE MANTEGA

Há basicamente duas características que distinguem Guido Mantega, ministro da Fazenda empossado ontem, de seu antecessor imediato, Antonio Palocci Filho. Se ambos estão no PT desde a fundação da legenda e cultivam a discrição, o novo titular é economista de profissão e ao longo de sua carreira acadêmica e política tem se perfilado com os que criticam a ortodoxia vigente desde a implantação do Real.
O último traço foi decerto levado em conta pelos agentes financeiros que promoveram ontem uma rodada de venda de ativos brasileiros, levando os principais indicadores do país a uma piora. Outro elemento que inoculou nervosismo no mercado foi a entrevista concedida pela manhã pelo ministro, em que defendeu corte mais acentuado na taxa de juros.
O episódio provavelmente marcará o primeiro aprendizado de Mantega sobre os requisitos de seu novo posto. Dados a situação crítica que precipitou a demissão de Palocci e o pouco tempo remanescente de governo para qualquer mudança de política econômica, não resta muito a Mantega senão encaixar-se rapidamente no figurino de seu antecessor.
É desejo de muitos, inclusive desta Folha, que o Banco Central corte mais rapidamente a taxa básica de juros a partir da reunião de abril do Copom. Mas qualquer manifestação pública do titular da Fazenda sobre a Selic será entendida como uma pressão indevida contra a autonomia "de facto" do BC para deliberar sobre o tema. O resultado tende a ser o oposto do desejado: deterioração dos indicadores financeiros, instando o Copom a ser mais conservador.
Comprar briga com o BC figura no topo da lista das atitudes que Mantega não deveria tomar. Uma hipotética demissão de diretores, por exemplo, teria potencial para gerar uma crise grave. Outro ponto fundamental de uma agenda que pretenda superar logo o estresse inicial com a substituição na Fazenda é o compromisso com o superávit primário.
A poupança do governo para abater sua dívida não interessa apenas aos mercados financeiros, mas ao país; um esforço fiscal que já dura oito anos não pode ser posto a perder. Em ano eleitoral, resistir à gastança será o maior teste de Guido Mantega.