quarta-feira, março 29, 2006

MIRIAM LEITÃO O dia seguinte

 

O GLOBO

Amanhã Guido Mantega vai votar pela queda da TJLP, mas de forma gradual. Como presidente do BNDES, ele propôs uma queda de 9% para 7%. Como ministro da Fazenda, ele me disse ontem que a TJLP não pode ter quedas — ou altas — bruscas, mas continuará mirando uma taxa de 7%. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, saiu da conversa com o presidente Lula falando em autonomia e chamando Guido Mantega de "colega", ou seja, não é subordinado. Ontem foi o dia de emitir sinais de Brasília para reduzir o mau humor do mercado.

De manhã, no "Bom Dia Brasil", Guido Mantega disse que a política monetária é decidida pelo Banco Central com a autonomia concedida a ele pelo presidente da República. Mesmo assim, contou que manterá um "diálogo" com o Banco Central a respeito. Ao longo do dia, a palavra foi sumindo nas declarações dele. Sobre o câmbio, foi mais ácido na entrevista matinal. Afirmou que está sobrevalorizado e que o Brasil poderia ir muito além no mercado exterior se a moeda não estivesse tão valorizada.

O mercado recebeu mal a chegada do novo ministro e deve continuar assim, pelo menos, hoje. Mais para o fim da semana, deve se acalmar, apesar de se estabilizar num outro nível de preços.

Esta semana ainda, Mantega começará a tomar decisões que podem representar mais gastos: a queda da TJLP e o pacote agrícola. Perguntei ontem a ele como vai decidir a respeito do pedido dos agricultores. Mantega está agora se informando sobre o assunto. Numa reunião ontem, no final do dia no Palácio, estava sendo fechado o pacote agrícola. Ele pode custar algo como R$ 1,5 bilhão em compras de grãos por parte do governo e reescalonamento de dívida. Há uma possibilidade de que a reunião de amanhã do Conselho Monetário Nacional decida apenas a TJLP e termine inconclusa para ser retomada na semana seguinte, quando Guido tiver, ao menos, formado sua equipe.

Na cerimônia de posse, no Palácio, o presidente Lula chamou Palocci de irmão e admitiu que foi a "Carta aos Brasileiros", redigida principalmente por Palocci, que permitiu que ele atravessasse a barreira dos 30% de intenção de votos. Essa barreira havia impedido antes que ele chegasse à Presidência. A Carta foi a lista de intenções liberais, com a qual o PT esqueceu o "contra-tudo-isto-que-está-aí", que sempre estivera presente em todos os programas, campanhas e discursos petistas.

Parte desta transição entre o velho e o novo discurso ainda está presente. Ontem Guido Mantega afirmou uma coisa que anteriormente não diria com esta ênfase:

— As importações elevadas também são boas para o Brasil, não apenas as exportações elevadas. O que é bom é um alto volume de comércio exterior.

Quando era oposição, várias vezes Guido falava do aumento de importações como se fosse ameaça. Agora acha que aumento de importação é parte do crescimento.

Dificilmente o ministro fará mudanças drásticas em qualquer ponto da política econômica. A conjuntura externa continua favorável, apesar de ontem ter aumentado a incerteza sobre o ciclo de aperto monetário dos Estados Unidos. Os juros brasileiros estão em queda. Tudo favorece o discurso de manutenção de tudo isto que está aí. Mas é por dentro, no dia-a-dia, em concessões aparentemente inocentes, que pode ser desenhada uma política econômica mais expansionista do gasto que, num segundo mandato, cobrará um preço alto do país.

Guido foi alcançado na segunda-feira por um telefonema da ministra Dilma Rousseff:

— Venha para Brasília que o presidente precisa falar com você, mas venha discretamente, sem levantar suspeitas.

O problema é que ele estava em São Paulo, onde tinha marcado uma conversa com o presidente do Santander, outra com David Feffer do grupo Suzano e, depois, um almoço no "Valor". O difícil era cancelar um compromisso com um jornal e não chamar a atenção num dia como esta tensa segunda-feira. Alegou que estava voltando para o Rio, comprou uma muda de roupa e viajou para Brasília, onde foi convidado a substituir o ministro Palocci.

O mercado ficou surpreso. Continuava achando que o nome poderia ser Murilo Portugal; hipótese considerada impossível por qualquer pessoa que tenha um mínimo de conhecimento do jogo político. No gabinete de Murilo Portugal, até Garfield poderia informar que ele não ficaria. Um quadro exibido no gabinete mostra o gato todo amarrado, com as quatro patas imobilizadas e uma frase: "Eles me disseram que é temporário." Em pleno ano eleitoral, numa eleição polarizada, o caminho do governo era por uma nomeação mais petista mesmo. Mantega nunca foi do diretório, nunca foi dirigente partidário, mas sempre foi identificado como um militante fiel a Lula. O ex-ministro Palocci preferia Aloizio Mercadante, mas o escolhido foi outro.

Há uma distância entre teoria e prática na economia. Ela leva certos ocupantes do cargo de ministro da Fazenda para atitudes mais pragmáticas. Mas o preocupante é o dia-a-dia, com decisões com risco muitas vezes não percebido de imediato, mas que, aos poucos, vão erodindo as contas públicas. É bom dizer que o governo já está abrindo os cofres este ano mais do que nos anos anteriores. E é aí o centro da preocupação; mais do que a política monetária, que continua a cargo do Banco Central, pelo menos, até o fim do ano.