sábado, março 25, 2006

MILLÔR

VEJA
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FhC (superlativo de PhD) acabou de lançar A História que Vivi, 699 páginas. Sensacional livro de auto-ajuda. Pra ele mesmo.
 

A Glória, tão perto da Lapa

Escrevi, há tempos, um artigo sobre Dom Casmurro. Não me considero crítico, sou no máximo um erúdito, isto é, uma pessoa que pensa sobre o que lê e discute com os livros. Não confundir com erudito, toda uma outra coisa, não digo o quê.

No artigo que escrevi mostrei o que achava estar na cara. O Escobar, um dos três personagens principais do livro, tinha deglutido Capitu, a "dos olhos de ressaca", que Machado não esclarece se ressaca do mar ou de porre. Gostaria de um esclarecimento já que olhos de ressaca de porre já vi muitos, mas de mar vi muito poucos. Os eruditos vivem discutindo se Capitu foi ou não foi com o Escobar, se Casmurro era ou não era comborço do dito. Falta do que fazer.

Sem adjetivar, sem analisar, sem vilipendiar, mostrei que o Dom talvez fosse "chegadão". Apenas reproduzi 12 frases do livro, mostrando que o Dom nem se escondia no armário. Gritava pro mundo o seu encanto pelo amigo.

Alguns leitores, de bom nível, concordaram com o que escrevi. Já tinham percebido o desmunhecamento do Dom. Outros caíram de pau. Volta e meia ainda leio que não gosto de Machado. Calma, pessoal. Tenho mais que fazer do que ficar lendo Machado.

Por que digo isso? É que agora, pela milésima vez, caiu sob meus olhos de ressaca aquela frasezinha medíocre que Machado colocou como lema da ABL (fundada por ele) no pé da cadeira na qual está sentado. E que, naturalmente, chamaria de curul.

A frase: Esta é a glória que fica, eleva, honra e consola.

Eta frasezinha xumbrega. Quatro verbos qualificando a glória. Se fosse apenas Esta é a glória que fica a frase teria mais força. A força precisa. E todo mundo saberia a que glória o cara e a Instituição se referiam, a maravilhosa glória literária. Mas, inseguro, o maior escritor brasileiro da rua do Livramento (eu também comecei na imprensa ali, 100 anos depois) cercou pelos sete lados. Botou eleva. Se não elevasse, pra que ficar? Honra. Haveria uma outra glória, que desonra? E consola. De quê? Das frustrações pessoais do autor e dos acadêmicos em geral? Ou seria um consolador de borracha, consolo-de-viúva? Impossível pensar que o autor se referisse a isso, ele tão pudico, vivendo numa das nossas épocas mais hipócritas, sem sombra de permissividade.

Camões escrevia melhor. Comparemos. Vejam a perfeita hierarquia dos verbos camonianos:

A disciplina militar prestante

Não se aprende, senhor, na fantasia,

Mas vendo, tratando e pelejando.

E, saibam, a medíocre frase de Machado nem era nova nem improvisada.

Machado a tinha escrito em 1864, trinta anos antes. Pô, o Grande Escritor podia ter dado uma guaribada.  

Em nossa eterna insegurança (de nóis, brasileiros), quando queremos dizer que um artista é importante dizemos (a televisão é mestra nisso) que ele é muito premiado, como se isso quisesse dizer alguma coisa. Outro título de glória é dizermos que um escritor foi traduzido em várias línguas. Ora, Guimarães Rosa sempre piora numa tradução. E o conde de Afonso Celso sempre melhora.

Mostrando, ou não, a excelência universal de Machado, traduzi sua frase em várias línguas. Pra não pensarem que agi de má-fé usei o tradutor eletrônico. Resultado:

EM PORTUGUÊS
Esta é a glória que fica, eleva, honra e consola.  

Do português para o inglês
This is the glory that is, raises, honor and consoles.  

Do inglês para o francês
C'est les augmenter, l'honneur et les consoles de gloire c'est–dire.  

Do francês pro alemão
Es ist, sie zu erhöhen, die Ehre und die Ehrenkonsolen, das heißt. 

Do alemão para o inglês
It is to increase them the honour and the honour consoles, i.e.  

Do inglês de volta para o português
Deve aumentá-los a honra e os consoles da honra, isto é.  

Não acham que ficou melhor?