domingo, março 26, 2006

Mastigar cana e assoviar CELSO MING

ESTADÃO
Mastigar cana e assoviar CELSO MING

Lá em Piracicaba, terra das usinas de açúcar e de álcool, qualquer um sabe que não se pode assoviar e mastigar cana ao mesmo tempo. Mas não falta quem tente.

Quinta-feira, o professor Luiz Carlos Bresser Pereira, ex-ministro do governo Sarney, sustentou que o Banco Central deve ter dois mandatos e não só um: além de tratar de derrubar a inflação, deve, também, buscar crescimento econômico.

É uma proposta antiga, baseada no modelo do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), que deve calibrar o volume de dinheiro na economia levando em conta tanto a necessidade de combater a inflação como a de aumentar o emprego.

Na prática, o Fed funciona como se o objetivo fosse manter a inflação por volta dos 2% ao ano. À evolução do crescimento e do emprego dá um tratamento mais retórico do que prático. Desde junho de 2004, por exemplo, os juros básicos dos Estados Unidos subiram de 1,0% para 4,5% ao ano (devem levar mais 0,25% nesta terça-feira), unicamente para combater a inflação.

Em um aspecto essencial, a proposta do ex-ministro Bresser Pereira vai na direção correta. Até agora, prevaleceram sobre a política monetária críticas disparatadas. Disseram muitos que, ao atacar a inflação, o Banco Central só pensa naquilo, desconsiderando os interesses da sociedade em crescer mais e criar mais empregos. São críticas disparatadas porque combatem o que tem de ser. Seria como castigar um cão de guarda por ter boa mordedura.

O sistema atual exige que o Banco Central enfie a inflação dentro da meta e é isso o que tenta fazer. Se houvesse algo errado seria o tipo de aplicação do sistema de metas no Brasil e não o que é pedido do Banco Central.

Quando Bresser Pereira propõe duplo mandato está perguntando a coisa certa: se sistema de metas de inflação deve ser revisto ou não. Se fosse aprovada, a revisão obrigaria o Banco Central a combinar prioridades.

Quanto à proposta em si, é difícil imaginar como possa funcionar. Desde os anos 70, o Fed não trabalha com duplo mandato. Em 1979, o então presidente Paul Volcker não vacilou em puxar os juros para 21% ao ano. Provocou brutal recessão e não ficou contando quantos empregos se perderam para sempre. O atual presidente do Fed, Ben Bernanke, tem repetido que lutará pela adoção formal do sistema de metas de inflação (de um só mandato e não de dois), porque entende que é dá mais eficiência à política monetária.

Um mandato duplo implica fixar uma meta de inflação e uma de crescimento. No longo prazo, inflação sob controle é precondição para o crescimento sustentado. Mas, enquanto a inflação não chegar aos padrões internacionais, é inevitável que uma política monetária voltada para o crescimento prejudique o controle da inflação e vice-versa.

Exigir que o Banco Central concilie as duas metas com um só instrumento (a política de juros) é atrapalhar o assovio com a mastigação de cana. Suponhamos que as metas deste ano fossem de inflação de 4,5% e de crescimento de 5,5%. Pode ser que acabem convergindo. Mas, diante da impossibilidade de atingir ambas as metas, a qual dar prioridade? Em quanto tempo?

Os juros altos e a falta de crescimento são apenas o sintoma do problema central, que é a gastança do governo, que puxa a dívida, que exige juros na lua, que trava o crescimento... Neste governo, a melhor proposta de contra-ataque foi formulada pelo ex-ministro Delfim Netto: a meta de déficit nominal zero. Seu efeito imediato seria a derrubada dos juros e, logo em seguida, viria o crescimento econômico. Mas foi bombardeada por metade do Ministério Lula.