quarta-feira, março 29, 2006

JANIO DE FREITAS Algumas sobras

FSP
A intromissão de uma verdade onde nenhuma fora prevista, por princípio e por necessidade, destruiu o plano articulado para a permanência de Antonio Palocci no ministério, mas o que sobrou de inverdades e de aparências enganosas continua adulterando os fatos.
Sobre Lula, por exemplo, consta que só veio a saber do depoimento de Jorge Mattoso ao voltar de Curitiba a Brasília no fim da tarde de segunda-feira, e decidiu demitir Palocci. Irritado, teria até emitido um "Palloci, venha cá". Pois bem, ao embarcar para Curitiba, ainda na parte da manhã, Lula já recebera duas informações dadas pessoalmente por Jorge Mattoso: o pedido de demissão do presidente da Caixa, apresentado ali mesmo; e sua decisão de dizer, ao depor na Polícia Federal à tarde, que entregara a Palocci o extrato da conta de Francenildo Costa na Caixa, e daí em diante só o ministro da Fazenda poderia explicar.
Lula não se decidiu pela saída de Palocci ao voltar a Brasília. Disso, por sinal, deixou várias pistas. Uma, no discurso em que, contrariando a conduta de sempre, não fez nem a mais leve referência ao cenário político, às críticas a seu governo ou à oposição. Seu abatimento era tão perceptível, que foi mencionado nos relatos imediatos de repórteres de TV e rádio. E Lula já deixara convocados os ministros do chamado conselho político, para a reunião em que, de volta a Brasília, depressa selou formalmente a saída de Palocci.
Se nem Lula foi surpreendido pelo depoimento de Jorge Mattoso, Palocci é que não poderia sê-lo. Mattoso forjou a necessidade de 15 dias para desvendar a quebra de sigilo do caseiro na Caixa, criou uma comissão de sindicância para descobrir a autoria de um ato de que ele mesmo era o autor, lançou o falso desaparecimento do laptop usado na quebra do sigilo, faltou à primeira convocação da PF -e depois de tudo isso, ao voltar de breve ida a São Paulo, estava convencido a dizer a verdade sobre o seu papel na trama para desmoralizar Francenildo. A partir desse ponto, e não de "avaliações de Lula", o episódio mudaria o seu rumo.
O desaparecimento de Palocci por algumas horas, quando repórteres o viram sair de casa no domingo, teve diferentes explicações, iguais na sua falsidade. Palloci conversou por cerca de duas horas com Jorge Mattoso. Em vão. Não conseguiu demovê-lo da nova disposição, que implicaria a saída de ambos do governo e várias outras conseqüências, inclusive policiais e judiciais.
É improvável que Palocci não tenha informado Lula ainda no domingo. Tanto que Lula quis a conversa com Mattoso ainda antes de sair para Curitiba na manhã de segunda. Mesmo que só no domingo ou na segunda Lula tenha sabido a maneira como foi conhecida a conta de Francenildo, há indicações de que já conhecia os depósitos altos na conta desde a quinta-feira 16. Alguns petistas tiveram também a informação, revelando-se ao se gabarem de esperadas reversões da situação em futuro próximo. A senadora Ideli Salvatti, então feliz com a revelação de depósitos na conta de Francenildo, chegou a narrar sua dedução, na sexta-feira, 17, de que Lula já sabia da descoberta. A dedução viera do sorriso, apenas um sorriso, com que Lula respondeu à referência da senadora à grave revelação, que o site da "Época" estava fazendo, dos tais depósitos incriminadores. (Desmoralizada a incriminação, a senadora quer outras investigações contra Francenildo: a vingança tem vida própria).
Palloci não precisou escrever às carreiras a carta de "pedido de demissão" que distribuiu aos jornais, pouco depois de selada no Planalto a sua saída. Pôde preparar o longo texto desde que, na véspera, Jorge Mattoso não retrocedeu quanto ao depoimento. O tempo, porém, não foi bastante para impedir Palocci de dizer que não divulgou nem autorizou "nenhuma divulgação sobre informações sigilosas da Caixa". O extrato foi entregue por Jorge Mattoso a Palocci na noite da quinta-feira e, na sexta, estava no site de uma revista. Na qual trabalha um parente direto do assessor de comunicação de Palocci, Marcelo Netto, assessor de Zélia Cardoso de Mello nos tempos de PC Farias/Collor. É razoável que a Marcelo Netto esteja atribuída a artimanha da entrega à revista e é certo que o extrato saiu das mãos Palocci. Mas não faz diferença uma mentira sua a mais ou a menos.