sexta-feira, março 31, 2006

CELSO MING

ESTADÃO
Ameaças à Petrobrás

O novo governo boliviano chefiado pelo presidente Evo Morales está ameaçando os interesses do Brasil e da Petrobrás. E, no entanto, o governo Lula permanece agachado e mudo, incapaz até mesmo de comunicar ao governo boliviano por onde passam os interesses do País.

O ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Solíz, não se contenta em acusar a Petrobrás de neocolonialismo e de explorar seus funcionários na Bolívia. Afirma que o setor do petróleo será nacionalizado e que as empresas que operam na área, a começar pela Petrobrás, serão relegadas à condição de meras prestadoras de serviço.

Os investimentos da Petrobrás na Bolívia são de US$ 1,5 bilhão, uma fração diante do patrimônio líquido apresentado no último balanço, de US$ 36 bilhões. Em todo o caso, se a decisão do governo boliviano for mesmo estatizar seu setor do petróleo, será preciso ver como esses investimentos serão indenizados. O problema mais importante não é o patrimônio da Petrobrás, mas a ameaça ao fornecimento futuro de gás ao Brasil.

Hoje, o gás boliviano concorre com 26 milhões a 27 milhões de metros cúbicos diários, para o consumo brasileiro de cerca de 40 milhões de metros cúbicos. O contrato prevê fornecimento desse gás até 2019. Como a Bolívia não tem a quem vender esse gás, a lógica sugere que, com algumas mudanças, as regras do jogo sejam respeitadas.

Dentro de apenas quatro anos, o consumo brasileiro saltará 150%, para 100 milhões de metros cúbicos diários, como reconhece o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. Até lá, a Petrobrás não conseguirá extrair das jazidas nacionais mais do que 20 milhões de metros cúbicos diários. Se tudo der certo, os novos campos de gás da Bacia de Santos só começarão a produzir a partir de 2012 e, ainda assim, não fornecerão mais do que 30 milhões de metros cúbicos diários.

Isso significa que o Brasil está estreitamente dependente dos suprimentos bolivianos, a menos que trate de reduzir drasticamente o consumo, até agora largamente incentivado. Se for para aumentar o suprimento boliviano, será preciso investir imediatamente. A Bolívia não dispõe desses recursos.

A esta altura não se pode dizer que os bolivianos se limitarão a reivindicar um reajuste nos preços, hoje de US$ 3,23 por milhão de Unidades Térmicas Britânicas (BTU), porque as autoridades da área falam em nacionalização do setor e em transformação das empresas que lá operam à condição de apenas prestadoras de serviços.

Gabrielli se queixa de que, oficialmente, o governo boliviano não disse o que pretende nem apresentou uma proposta, nem à Petrobrás nem ao governo brasileiro. Prefere desferir setas de zarabatana contra a Petrobrás por meio da imprensa. Em entrevista ontem divulgada, Gabrielli contra-atacou com a possibilidade de suspender os investimentos e de abandonar a Bolívia: "Não queremos ser uma prestadora de serviços."

Do ponto de vista do interesse público do Brasil, a questão mais grave é a de que o governo Lula não está dando o devido respaldo a Gabrielli. Se os ataques bolivianos provêm de um ministro de Estado, é de um ministro brasileiro de Estado que se esperam respostas. No entanto, o governo Lula não está acionando para isso nem mesmo o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. Prefere manter a cara limpa, com o mesmo sorriso de quando derramava elogios aos arroubos nacionalistas do novo governo de La Paz.

Enfim, o governo Lula vem tratando o governo Evo Morales com muito nheco-nheco e banda de música. Levou o secretário especial, Marco Aurélio Garcia, e o Itamaraty a derramarem louvações ao grande líder do povo indígena, o primeiro a assumir a chefia de um Estado nacional. E agora, quando tem de lembrar aos bolivianos que contratos têm de ser respeitados, escala Gabrielli, um sub-do-sub na escala hierárquica dentro do governo brasileiro, para apresentar a cara para bater.