sábado, março 25, 2006

André Petry O Estado policial

VEJA

 

"O governo do operário ético faz com
o caseiro tudo
o que o governo do
corrupto desvariado não ousou fazer
com
o motorista"

O ministro Antonio Palocci, ao reaparecer em público na sexta-feira passada, depois de duas semanas escondido, disse que está vivendo um inferno. Dá para imaginar, então, o que deve estar vivendo o caseiro que o denunciou. Afinal, o caseiro resolveu contar o que viu no casarão do Lago Sul em Brasília e, em menos de dez dias, passou a ser investigado pela Polícia Federal sob a acusação de lavagem de dinheiro! Entrou na máquina de moer reputações. Primeiro, calaram-lhe a boca, depois quebraram-lhe o sigilo bancário e, agora, aterrorizam-no com um inquérito. Coisa de Estado policial. Na opinião do presidente da OAB, Roberto Busato, "coisa de gângster, de sindicato do crime".

O governo de Fernando Collor não fez nem um décimo disso contra Eriberto França, o motorista que prestou um depoimento devastador e terminal sobre as traficâncias do presidente e seu ex-tesoureiro de campanha. É preciso, em nome da verdade histórica, que se reconheça: o governo do operário ético faz com o caseiro tudo o que o governo do corrupto desvariado não ousou fazer com o motorista. E repare-se numa diferença: o motorista derrubou o governo literalmente. O caseiro derrubou o governo moralmente.

Na construção de seu inferno, Palocci teve em excesso tudo o que faltou ao caseiro. Examinemos:

A vida pessoal. O ministro jamais teve sua vida pessoal e familiar devassada. A própria imprensa, durante meses a fio, por respeito à privacidade do ministro, limitou-se a divulgar que o casarão era um ponto diurno de lobistas. Só noticiou que era também um ponto noturno de prostitutas quando isso se tornou um dado fundamental para entender o Paloccigate. No caso do caseiro, seu drama pessoal e familiar de filho bastardo foi revelado por inteiro em questão de dias, expondo a vida pregressa de sua mãe, Benta Soares, autora da frase mais reveladora da essência do governo Lula. Disse ela: "Peço ao presidente que não faça nada com meu filho".

O sigilo bancário. As contas do ministro Palocci estão devidamente preservadas, como aliás deve acontecer em qualquer nação civilizada. Nem se pediu que fosse quebrado seu sigilo bancário. Nem mesmo quando Rogério Buratti denunciou à polícia que Palocci retinha parte das propinas pagas por fornecedoras da prefeitura de Ribeirão. No caso do caseiro, sua vida bancária é um livro abertíssimo – ilegalmente abertíssimo. Depois disso, o caseiro decidiu abrir voluntariamente todos os seus sigilos, telefônico e fiscal, inclusive. Pediu que os outros seguissem sua atitude. Paulo Okamotto não se manifestou. Lulinha, o filho, também não.

O direito de falar. Palocci fala quando quiser, onde quiser, embora nos últimos dias tenha reivindicado seu direito de ficar em silêncio e, de preferência, longe dos holofotes. O caseiro não. O governo não deixa que abra a boca numa CPI. Só autoriza, e neste caso alegremente, que abra a boca no inquérito policial, no qual responde a perguntas na condição de acusado. O ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, achou mesmo que o caseiro não devia falar na CPI. Em seu despacho, o ministro explicou que seu depoimento seria inútil devido à "condição cultural" do caseiro. Se a moda pega, pobres e pouco instruídos devem viver calados.

Num Estado policial, a moda é capaz de pegar.