sábado, fevereiro 25, 2006

MERVAL PEREIRA Agenda antieleitoral

O GLOBO

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, saiu de uma reunião recentemente com economistas na Casa das Garças, um instituto de estudos econômicos ligado ao Departamento de Economia da PUC do Rio, com a sensação de ter recebido a agenda mais antieleitoral que poderia haver. Os economistas — Edmar Bacha, Armínio Fraga, Francisco Gros, Pedro Malan, entre outros, todos ligados de alguma maneira ao PSDB — focaram suas preocupações na Previdência Social, classificada como um ponto crítico do quadro fiscal. Não haver limite de idade para a aposentadoria no sistema privado seria uma bomba de efeito retardado.

Em outra reunião, de líderes do PSDB com empresários do Iedi em São Paulo, levantou-se a necessidade de se separar o reajuste do salário-mínimo das aposentadorias da Previdência. O presidente do PSDB, Tasso Jereissati, disse que se um político apresentar essa proposta na campanha eleitoral não precisa nem esperar o resultado das urnas: será derrotado fatalmente.

Por seu lado, mesmo proclamando-se “muito feliz” com a possibilidade de comprar os últimos US$ 6 bilhões da dívida externa e encerrar de vez um triste capítulo de nossa história, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, fez uma ressalva: é preciso cortar os gastos públicos para que a economia continue seguindo em frente com sucesso. É o máximo que um homem do governo pode fazer neste momento eleitoral, em que apenas os bons números da economia devem ser divulgados.

Os ruins, como o crescimento medíocre do PIB ano passado, são anunciados no início do carnaval para não serem muito percebidos. O fato é que, por trás dos números positivos, há uma ameaça clara: com os gastos públicos crescendo como estão, é inevitável o aumento da carga tributária no próximo ano.

A rejeição ao aumento da carga tributária já apareceu claramente quando a Receita tentou aumentar os impostos para as empresas prestadoras de serviços, o que atingiria em especial os profissionais liberais, ou seja, a classe média. Esse é um tema candente, que a oposição quer levar para a campanha eleitoral. Pesquisa da Ipsos Opinion realizada para o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), mostra que a opinião pública considera como os maiores obstáculos à criação de novos empregos, pela ordem, os impostos cobrados pelo governo, os juros cobrados pelo governo, e o governo gastar mais do que arrecada.

Este não é um fenômeno típico do governo Lula, mas foi aprofundado nele: entre 1995 e 2003, a receita corrente cresceu de 34,4% para 42,3% do PIB; já a despesa corrente aumentou de 39,9% para 45,3% do PIB. No mesmo período, a receita tributária subiu de 28,4% para 34% do PIB.

O economista José Roberto Afonso, do PSDB, estima que a carga tributária tenha chegado perto de 38% ano passado. O governo, que prevê aumento de arrecadação de R$ 10 bilhões este ano, alega que não aumentou a carga mas melhorou a arrecadação.

Algumas medidas tomadas pelo governo nos últimos meses, de olho na reeleição de Lula, só fizeram agravar a situação: o aumento real de cerca de 12% do salário-mínimo, com repercussão direta no déficit da Previdência e poder de pressão de demanda sobre a inflação, o aumento da folha salarial de 29% para os civis e 10% para os militares, e o aumento de verba para o Bolsa Família, que passará a gastar R$ 11 bilhões este ano.

Os gastos do governo são cada vez maiores com juros, Previdência e programas assistenciais, não há espaço para investimentos, constatam os economistas. Na síntese de um dos economistas da Casa das Garças, o Estado investe menos na formação de crianças do que nos aposentados.

O economista Fabio Giambiaggi, do Ipea, que está escrevendo um livro com Armando Castelar com propostas de reforma, diz que “às vezes é inevitável ficar com a impressão de que se é um pregador no deserto. O descompasso entre a realidade e o reino dos sonhos que povoa o imaginário nacional em épocas eleitorais é algo que tem um quê de angustiante”.

Segundo ele, na Previdência Social, então, “o divórcio entre a realidade e a percepção da realidade é absoluto”. Ele vê com desânimo a capacidade de influência de simples técnicos, num país que marcha rumo a uma campanha “sangrenta”, na qual “provavelmente ninguém nos palanques vai querer discutir muito a fundo o tipo de agenda necessária”.

Ele diz que “sem algo que vá na linha das reformas, é difícil imaginar um país que tenha um futuro muito diferente do passado e que se aproxime mais de países que estão crescendo fortemente”. Mas, pergunta, angustiado: “como colocar essas coisas num ano eleitoral sem perder as eleições? Ou alternativamente, como encarar essas questões em 2007 sem tê-las abordado minimamente em 2006?”

Luis Guilherme Schymura, do Ibre-FGV, ressalta que existem apenas três países no mundo que não exigem idade mínima para a aposentadoria: Brasil, Irã e o Iraque. Mas ele lembra que mesmo tirando custo da Previdência, cerca de 12% do PIB, e os 4% do PIB do pagamento de juros reais, o gasto público, que é de 37% do PIB, fica em 21% do PIB. “O Chile vive com menos que isso, cerca de 18% do PIB, e tem serviços públicos de muito mais qualidade que os nossos”.

O estado argentino custa 23%, 24% do PIB, o do México também. “Gasto público malfeito está ligado aos juros altos, porque você precisa gerar o superávit de 4,25% do PIB. A única maneira de aumentar a despesa é aumentar a carga tributária”, diz Schymura, que resume a questão numa afirmativa: o Brasil gasta espetacularmente mal os recursos disponíveis, mesmo quando se excluem as avantajadas contas financeira e previdenciária.