quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Clóvis Rossi - A expulsão da esperança




Folha de S. Paulo
1/2/2006

MADRI - Perdoe o leitor se insisto no tema da diáspora brasileira, mas acontece que, a cada tanto, surgem números que reforçam meu espanto e meu inconformismo.
Agora é o "Anuário da América Latina", preparado pelo Real Instituto Elcano de Estudos Internacionais e Estratégicos, fundação privada e independente da Espanha, e divulgado pelo jornal "El País".
Dado central: multiplicou-se por 20 o volume de remessas de emigrantes para os países da América Latina nos últimos 20 anos. Reflexo, como é óbvio, do fato de que os latino-americanos estão em quantidades crescentes procurando "fazer a América" longe da América Latina.
No caso do Brasil, tornou-se o segundo maior receptor de remessas de sua gente que foi buscar a esperança em outra parte. Recebeu, em 2004, 4,8 bilhões, só atrás do México ( 13,7 bilhões).
Que o México seja exportador de seres humanos, até dá para entender, com um pouco de choro e ranger de dentes: tem 3.200 quilômetros de fronteira com a portentosa economia norte-americana, que funciona como aspirador.
Já o Brasil -e fico envergonhado de ter que repetir argumentos dos ufanistas mais bregas-, tem um território imenso, uma população razoavelmente adequada a esse território, recursos naturais abundantes, segurança geológica e climática, paz com os vizinhos etc. (e bota etc. nisso).
Tanto é assim que se tornou a terra de abrigo para gentes de países que, hoje, fazem parte do G-7, o clubão dos sete mais ricos do mundo, como japoneses, alemães e italianos, para não falar de portugueses e espanhóis, de judeus e de árabes.
O relatório, a propósito, comenta que, faz apenas 40 anos, "eram os exilados espanhóis que mandavam dinheiro para o país".
Como já comentei sobre Portugal, inverteu-se o fluxo migratório. Ou, posto de outra forma, o Brasil e a América Latina expulsaram a esperança. E conformaram-se.

@ - crossi@uol.com.br