terça-feira, janeiro 24, 2006

Operários no paraíso RUBENS BARBOSA




O Globo
24/1/2006

A China se desenvolveu, entre 1990 e 2004, com uma taxa de crescimento média de 8,5% e em pouco tempo se tornou responsável por 4,3% da produção da economia mundial. Depois de ultrapassar a Itália e a França, a China hoje disputa o quarto lugar com a Inglaterra, só perdendo para os EUA, a Alemanha e o Japão.

No comércio internacional, importando e exportando mais de US$ 1,4 trilhão, com mais de 6% do mercado, em curto espaço de tempo, o país se tornou a terceira potência comercial do mundo, acumulando em 2005 um superávit de mais de US$ 100 bilhões.

Com uma população de mais de 1,3 bilhão de pessoas, rapidamente está se transformando em um mercado sem paralelo na história. A China consome 12% da energia do mundo, 25% do alumínio, 28% do aço e 42% do cimento, sem falar nos produtos agrícolas e minerais, que fez com que os preços desses produtos se mantivessem em patamares historicamente elevados nos últimos anos.

Paradoxalmente, os resultados desses avanços não estão beneficiando a classe operária chinesa. As questões sociais nas fábricas, nas vilas e nas cidades se multiplicam e são cada vez mais freqüentes no noticiário interno chinês. O que está ocorrendo na China indica que o crescimento sustentável, mesmo a altas taxas, não acarreta necessariamente melhora na distribuição de renda, nem na justiça social. A concentração de renda está aumentando com o aparecimento de milhares de milionários e agora de bilionários, tornando agudo o contraste entre os ricos e os pobres no país.

O primeiro ministro chinês Hu Jintao, no fim do ano passado, em reunião do Comitê Central do Partido Comunista, lançou um novo plano econômico que aponta como seu objetivo principal a construção de uma "sociedade harmônica".

O plano tenta retificar os rumos da política econômica de seu antecessor, que buscava o desenvolvimento a qualquer custo, com a idéia de que o rápido crescimento econômico poderia conter o desemprego e as pressões da urbanização e, assim, evitar a instabilidade social. A tendência que prevalece agora visa a melhor aplicar os objetivos do desenvolvimento e à alocação de crédito.

Segundo as Nações Unidas, a China hoje tem uma das piores distribuições de renda do planeta. O coeficiente Gini, que mede a desigualdade econômica, é 0.45, sabendo-se que 0.40 indica a possibilidade de instabilidade social. (No Brasil, o coeficiente Gini é de 0.57).

Crescentemente conscientes de seus direitos, os trabalhadores urbanos começam a pressionar tanto as empresas privadas como as estatais por melhores condições de trabalho e de salário.

As manifestações não se limitam às questões trabalhistas, mas se ampliam em razão da corrupção oficial, problemas de saúde, degradação ambiental e expulsão de pessoas das terras para projetos de desenvolvimento, como ocorreu recentemente na província de Guangdong (Cantão).

Os protestos se multiplicam quase que diariamente em todo o país. Segundo a ong China Labor Watch baseada em Hong Kong, foram registrados 58 mil protestos em 2003 e 74 mil em 2004.

As províncias ocidentais da China são as mais pobres e onde poderiam ocorrer os conflitos mais graves. De acordo com informações transpiradas em conversas com funcionários chineses, contudo, os riscos mais graves de distúrbios estariam na Manchúria. É nessa região que numerosas empresas estatais estão sendo vendidas e onde os sindicatos estão mais bem organizados. A reestruturação econômica eliminou cerca de 50 milhões de empregos desde o final de 1990.

Os contrastes sociais na economia chinesa começam a ter conseqüência também no comércio internacional. Como muito bem assinalou José Pastore, transformada em grande produtora e exportadora, está provocando um efeito indireto significativo ao expandir a oferta de uma mão-de-obra mundial barata em contraste com os salários mais altos dos outros países. As precárias condições de trabalho e a baixa remuneração nas empresas chinesas têm acarretado conseqüências nas relações trabalhistas em outros países e fizeram com que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) começasse a pressionar a China para melhorar as condições de trabalho no país.

Nesses contrastes e confrontos, ainda muito nos surpreenderemos com o "efeito China".