sexta-feira, janeiro 27, 2006

Miriam Leitão Palocci na CPI

O GLOBO

Parecia um dia ótimo, exceto pelo fato de que o ministro da Fazenda enfrentava o pior interrogatório na CPI desde que começou o terremoto do mensalão. O IBGE divulgou que o desemprego caiu para o menor número da série; o dólar caiu; a bolsa subiu e bateu recorde; assim como o risco-país, que caiu; o otimismo do consumidor está em alta. Quem acompanhava o depoimento do ministro Palocci de olho nas notícias online podia pensar que se tratava de dois países diferentes.

O ministro Antonio Palocci demonstrou ontem mais nervosismo do que em outros depoimentos. Talvez porque esse fosse concentrado nas denúncias de corrupção que pesam sobre a sua administração em Ribeirão Preto e sobre o governo do qual faz parte. Mesmo assim foi educado, firme, consistente. Não teve respostas para todas as perguntas, mas para a maioria delas.

Ele tem várias boas explicações para as denúncias tópicas. O contrato de varrição de Ribeirão Preto foi maior porque a área a ser varrida aumentou; as ervilhas no tomate numa licitação são uma velha denúncia requentada e, segundo ele, o Ministério Público nada comprovou; o avião do Colnaghi foi alugado pelo partido e usado por ele em viagem partidária; quanto aos excessivos telefonemas entre suspeitos e seus assessores, mostrou erros nas contas; Vladimir Poleto não era seu amigo; de Rogério Buratti, afastou-se. Uma a uma as denúncias foram sendo esmiuçadas e respondidas por ele.

Às vezes, sua resposta era a simples lógica, por exemplo, quando ele disse ao senador Álvaro Dias que ele lhe pedia o impossível: que se responsabilizasse pelo comportamento de pessoas que há anos já não o assessoram.

— Tenho que me responsabilizar pelos atos das pessoas quando elas estão sob meu comando, mas não pelos seus atos futuros. A não ser, senador, que esse seja um novo entendimento das obrigações de um ministro — afirmou Palocci a Álvaro Dias, com objetividade cristalina.

Ao senador José Jorge, disse que não administrava as instituições ligadas ao Ministério da Fazenda, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Deveria ter perguntado se, por acaso, quando o senador foi ministro de Minas e Energia, chegou a administrar a Eletrobrás e a Petrobras.

Com detalhes, números, nomes e circunstância, Palocci foi rebatendo as acusações.

— Sei que não cometi essas malfeitorias que me atribuem — garantiu.

Mas ainda que explique cada ato, cada dúvida, cada atitude dos personagens do "teatro de sombras" que o cercam, para usar a expressão do sempre preciso senador Jefferson Peres, sempre pesará contra Palocci o fato de que foi um dos coordenadores da campanha eleitoral onde houve caixa dois.

Foi a pergunta do senador César Borges, mas ele afirmou que nada soube sobre caixa dois e que a campanha de 2002 teve relativa facilidade de pagar as contas. Esse é, de fato, um grande mistério de administração financeira: quando o partido mais arrecadou, quando teve mais dinheiro do fundo partidário, quando os militantes mais contribuíram, o PT recebeu dinheiro "não declarado" e, ainda assim, foi à falência.

Houve caixa dois, como as CPIs cansaram de mostrar, mas o grande beneficiário desse caixa 2 foi o presidente da República que, a esta altura dos acontecimentos, não parece mais alcançável pela CPI.

Por isso, o mercado ignorou o que se passava ontem na CPI dos Bingos. O mesmo depoimento, dado meses atrás, o paralisaria. Mas ontem ele destinava à sessão da CPI dos Bingos um solene desprezo. O mercado financeiro não é nem esse poder incorpóreo que alguns temem, nem um covil de malfeitores, como acredita a senadora Heloísa Helena. São profissionais que administram dinheiro de todos os que depositam suas aplicações nos bancos e têm um jeito peculiar de ver os fatos. Às vezes, fazem avaliações obtusas; freqüentemente, agem como se fossem uma manada; em alguns momentos, apontam a tendência dos fatos antes de todos. Agora estão achando que o pior passou e que nada de terrível e inesperado acontecerá com o Brasil. O mundo está com excesso de dinheiro e, mesmo com todas as restrições sobre a América Latina, há muito dinheiro entrando. Quando isso acontece, nada pesa muito. O Brasil continua sendo uma boa opção de investimento.

Ainda há muitos riscos econômicos pela frente. Um deles, como bem lembrou Jefferson Peres, é o do populismo econômico. Há pressão por gastos sem controle; velhos lobbies reaparecem, como o dos usineiros, e quem está segurando a porta do cofre é o ministro da Fazenda.

Palocci foi, deu as explicações, foi confrontado com fatos e dados, mas, no fim, saiu-se bem, como sempre. Mas é um ministro enfraquecido. É fraco desde que passou a ser alvo de inúmeros ataques, é fraco desde que foi deixado à sua própria sorte pelo resto do governo, é fraco desde que foi desafiado publicamente em área sob sua jurisdição pela ministra Dilma Rousseff e não foi fortalecido pelo presidente. Os próximos onze meses serão de pura batalha. Um presidente com popularidade baixa, desempenho sofrível, avaliação equivocada tentará a reeleição, usando, para isso, a máquina do Estado. Em momentos assim, a última proteção é um ministro da Fazenda que saiba dizer não. Palocci conseguirá dizer não para as pressões políticas por mais gastos? Foi essa dúvida que ficou no ar.