| Enigma andino |
| Editorial |
| O Globo |
| 24/1/2006 |
Evo Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, será mesmo o divisor de águas na história da democracia latino-americana que as esquerdas apregoam? Ou será que apesar dos trajes e do penteado típicos usados na posse também nesse caso as aparências enganam? Para começar, Mario Vargas Llosa duvida que Morales seja de fato o primeiro presidente indígena da Bolívia. Lembra o escritor peruano que pela presidência do país andino — até recentemente um cargo de alta rotatividade — passaram inúmeros militares de origem não propriamente européia, que antes de se tornarem generais golpistas foram soldados rasos oriundos das camadas humildes. Questões étnicas ou raciais à parte, Morales agora é o presidente de todos os bolivianos, e isso inclui tanto os milhões de índios, predominantemente aimaras e quéchuas, como a ínfima minoria européia. Chega ao mais alto posto de comando do país como um revolucionário em potencial (no bom e no mau sentidos) disposto a fazer o que antecessores raramente tentaram: erradicar a pobreza. Seria estranho se um presidente com o seu perfil tivesse outro discurso. O problema é dispor de meios políticos e administrativos para transformar um país pobre num país rico — ou pelo menos dar a partida nessa direção. Para os eleitores, Morales é uma promessa de mudança. Para as empresas de energia, entre elas a Petrobras, os maiores investidores da Bolívia, seu discurso soa como ameaça de ruptura. Para a metade rica da Bolívia, ele pode ser o estopim da guerra civil caso insista em impor uma reforma agrária à sua maneira, ou transfira para o Estado o controle da economia. Se for inflexível na presidência como nos palanques, Morales terá dificuldade para resolver a equação boliviana. De um lado, virão as cobranças dos eleitores. De outro, poderá haver uma revoada de investidores se os contratos forem desonrados — ou o gás nacionalizado sem reparações. A riqueza da Bolívia jaz no subsolo, é volátil por definição, e o presidente precisará dos recursos e da tecnologia do resto do mundo para extraí-la e convertê-la em moeda de troca, antes de distribuir os dividendos entre os bolivianos. |