MUDANÇA EXTREMA
Desde a morte de Iasser Arafat, há menos de 15 meses, a política palestina entrou em ritmo frenético de mudança. A surpreendente e acachapante vitória do Hamas nas eleições parlamentares de quarta-feira confirma e coroa esse processo.
A ascensão do grupo terrorista islâmico ao poder completa um ciclo comum na política partidária. O Fatah -agremiação de Arafat e do atual presidente palestino, Mahmoud Abbas- há muito deixou de ser um comitê de militantes embebidos em marxismo e pan-arabismo, traço que, aliado à opção aberta pelo terrorismo, marcou a origem de suas lideranças mais conhecidas.
Décadas de hegemonia absoluta nos territórios palestinos transformaram o Fatah numa decrépita oligarquia burocrática. Ocupado em acomodar interesses de seus chefetes para não perder o mando nem a administração dos recursos que fluíam dos doadores internacionais, o grupo de Arafat ensaiou um acordo tácito com o novo extremismo emergente nos territórios. Eximiu-se de perseguir e desarmar os terroristas, o que ajudou a anular a interlocução com Israel que migrava, com Ariel Sharon, para a linha dura.
A morte do mais tradicional líder palestino foi o estopim para o desmoronamento do "status quo". O Hamas vislumbrou o vácuo de poder e agiu para preenchê-lo. A abertura eleitoral -o pleito de quarta foi a primeira disputa parlamentar de fato pluripartidária nos territórios- permitiu aos palestinos expressarem o seu descontentamento com o Fatah. Decantada por anos a fio na sociedade palestina, a repulsa à oligarquia corrupta e ineficiente encontrou no Hamas o desaguadouro.
Agora, Israel e as potências ocidentais devem atuar para que as facções mais moderadas do Hamas possam prevalecer sobre as extremistas. Deixar de reconhecer a legitimidade da vitória do grupo islâmico seria contribuir para o adensamento da política do ódio na região. Por seu turno, o diálogo com o Hamas no poder precisa estar condicionado ao desarmamento do grupo, ao abandono do terrorismo e ao reconhecimento do direito de existência de Israel.