domingo, janeiro 01, 2006

CELSO MING A dança do caranguejo

ESTADÃO


ming@estado.com.br

Virada de calendário é tempo bom para falar do futuro da produção, que depende do investimento. Pois o investimento se movimenta como caranguejo no Brasil: são dois passos à frente, três de lado e um para trás.

Falta de investimento ou investimento insatisfatório hoje é crescimento econômico problemático amanhã. O baixo nível do investimento é uma das principais razões pelas quais o crescimento brasileiro é o vôo da galinha: mal levanta do chão, acaba logo em seguida.

As Contas Nacionais calculadas pelo IBGE mostram que, nos primeiros três trimestres deste ano, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), nome dado aos investimentos, cresceu apenas 1,2% em relação a mesmo período do ano passado. O baque principal aconteceu no segmento da construção civil, que pesa cerca de 60% neste segmento e está relativamente estagnado. Os números sobre o investimento estão tão fracos que o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) reviu a previsão de crescimento da FBCF em 2005 de 5,3% para 0,9%.

Por muito tempo se dizia que o investimento é baixo no Brasil (cerca de 19% do PIB) porque a poupança é baixa; e que a poupança é baixa porque somos um país pobre, que vive da mão para a boca. É a idéia de que pobre consome tudo o que ganha; não tem como poupar e investir.

Aí apareceram os espantosos números da China. Todos sabem que a renda per capita da China é de apenas US$ 1,1 mil por ano e que o assalariado médio chinês ganha ao redor dos US$ 60 por mês, não tem 13º salário, não tem adicional de férias (nem férias) e não tem Fundo de Garantia. Mas, com base na revisão estatística divulgada há duas semanas, o chinês poupa e reinveste de 37% a 38% do que ganha. O Estado chinês tem grande participação na economia (cerca de 20% da produção industrial) e muito do investimento se faz por meio das empresas estatais, que operam em nome do povo. De todo modo, o padrão asiático é de poupança e investimento acima dos 30% do PIB. Ou seja, mais de 30% da renda destina-se ao investimento.

Por aí se vê que o argumento de praxe está furado. Pode-se dizer que pobreza não é impedimento definitivo e que o tamanho do investimento também resulta de um traço cultural.Mas isso não explica a dança do caranguejo entre nós. Nos itens que não se ligam à construção civil, quem investe é o empresário, com dinheiro dele ou de terceiros (empréstimos ou subscrição de capital). O empresário não despeja dinheiro no ralo. Coloca-o na expansão dos negócios quando fareja mais vendas e crescimento do consumo.

O Brasil é um mercado de 180 milhões de consumidores e isso não é pouco, ainda que a pobreza seja tanta e a distribuição de renda, o que já se sabe. Se o investimento é insatisfatório é porque o empresário não está convencido de que a expansão do mercado lhe dará retorno.

São inúmeros os obstáculos ao investimento no Brasil: juros altos, alta carga tributária, má distribuição de renda, insuficiência de infra-estrutura, baixo crescimento econômico, câmbio relativamente baixo, alto risco regulatório e judicial e falta de acordos comerciais que abram mercado externo.

A falta de investimentos do governo federal só em parte tem a ver com falta de verbas. Até final de novembro, o Ministério dos Transportes não tinha conseguido empregar nem metade dos recursos disponíveis para construção e recuperação de estradas. Embora já tenha sido aprovada há alguns meses, provavelmente nem em 2006 o governo Lula conseguirá pôr para funcionar as Parcerias Público-Privadas (PPPs).