sábado, dezembro 31, 2005

Vozes d’África REINALDO AZEVEDO

O GLOBO


Ninguém mais é inocente. É o que tenho a declarar no último dia de 2005. A esta altura, não importam classe social, grau de instrução ou gosto, todo mundo já sabe, segundo a sua linguagem e os rigores de seu ofício e formação, o que é o PT, quem é Lula e como eles operam. Já que o sistema político manteve o Apedeuta no poder em vez de impichá-lo, como era o merecido, a sua reeleição, se houver, legitima-se por meio da vontade do tal "povo". Quem disse que essa "entidade" não faz besteira? Faz. E em grandes proporções. Nesta página encontro, às vezes, gente que descobriu onde se esconde a cornucópia de bondades populares. Eu os invejo, embora me conforme. Deve ser como a revelação mística: não é para qualquer um.

As escolhas se darão em etapas: as burocracias partidárias farão as suas, e o eleitor será convocado a dar a palavra final. Continuaremos na rota que nos empurra para a África e nos devolve às imprecações de Castro Alves — "Senhor Deus dos Desgraçados/ Dizei-me vós, Senhor Deus (...)" — ou nos levantaremos do berço esplêndido? Há um quarto de século o Brasil cresce menos do que a média mundial e vai, paciente e metodicamente, reservando o seu lugar nas nações irrelevantes. Desenvolvemos mais a "mística" da responsabilidade do que a "crença" no crescimento econômico. Reparem que recorro de propósito a palavras hauridas do vocabulário religioso. Tem-nos faltado ciência; está-nos sobrando pensamento mágico fora do lugar.

Li dia desses um texto de Gustavo Franco, ex-presidente do BC. Ferino, atacava os críticos da instituição como se uma ilha de racionalidade estivesse cercada de impressionismos e feitiçarias. Eu tentei entender qual a lógica da política monetária que eleva juros com uma das mãos e estimula o crédito com a outra. Não consegui. O resultado prático foi este: a taxa subia enquanto o consumo, infenso à política monetária (que só alvejava o crescimento), expandia-se. E começou a descer quando o consumo, por motivos também alheios à intervenção do BC (contou o risco de inadimplência), deu sinais de se comprimir. Racionalidade? Parece uma das mágicas de Maga Patalógica: sai tudo pelo avesso. Franco faz muito bem em atacar os feiticeiros dos outros. Mas precisa ter também a coragem de puxar as orelhas dos seus amigos de caldeirão.

Dia desses, na TV, um economista mandou bala. Tudo teria ido muito bem no Brasil em 2005. Foi possível ganhar apostando em qualquer ativo. Ele só lamentava (um pouco, não muito...) o baixo crescimento do PIB. Tinha previsto, como quase todos os colegas, 4%. Reduzia suas expectativas para 2,5%. Deve ficar em 2%. Mas todo o resto, entendia-se, estaria mais animado do que uma festa no AP do Latino.

Até organismos como FMI e Banco Mundial apontam o baixo crescimento como a fragilidade mais evidente do país. Teriam se tornado "desenvolvimentistas"? Quero crer que não. É que enxergaram o nosso caminho para a África, pressionados que estamos por atores muito agressivos, como Índia e China — dois competidores, e não "economias complementares", como dizem os bocós do PT. Quem está no comando pensando a inserção do Brasil no mundo global? Lula? Marco Aurélio Garcia? Celso Amorim? Chamem os Três Patetas.

O trio pressiona para que a Europa abra mão de seus subsídios agrícolas em favor dos pobres porque isso seria o mais justo. Coitados! Quem obrigará os europeus a comprar uma briga dessa envergadura e a romper o seu equilíbrio social interno? A OMC? O Itamaraty é ridículo. Enquanto isso, Brasília nem dá seqüência ao Mercosul nem realiza acordos bilaterais satisfatórios. Não há governo, só feiticeiros se beneficiando de um notável, e raro, período de estabilidade externa.

"A escolha" de 2006 vai um pouco além de enterrar ou não o cleptostalinismo ou de eleger um síndico capaz. Trata-se de saber se teremos futuro ou se seremos mais um país da América Latina que, a cada dia, tem um passado sempre mais glorioso. O povo, de fato, elege. Mas as opções são definidas pelas elites políticas. Com a palavra, o PSDB.