terça-feira, dezembro 27, 2005

Sinais alarmantes ROBERTO BUSATO

FOLHA

Ao apagar das luzes de 2005, a CPI dos Correios confirma o que já se sabia: que a maior fonte do "mensalão" (ou "semanão" ou "quinzenão": não importa o nome ou a periodicidade) era o dinheiro público. Banco do Brasil e Visanet foram os principais financiadores do assim chamado valerioduto -esquema de suborno a parlamentares operado pelo publicitário mineiro Marcos Valério, em conluio com a cúpula do Partido dos Trabalhadores.
O relatório preliminar do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), fruto de seis meses de investigação, embute fato assustador: o de que os grandes mentores dessa operação criminosa ainda estariam dentro do governo, em escalões superiores.
As investigações indicam que o ex-ministro da Secom, Luiz Gushiken, hoje convertido pelo presidente Lula em assessor para Assuntos Estratégicos, teria autorizado operações predatórias com o dinheiro público. Uma delas: o adiantamento de R$ 73,8 milhões da verba de publicidade da Visanet à agência DNA, de Marcos Valério, por serviços que até agora não foram (e não mais serão) prestados.
O relator afirma que, dessa verba, pelo menos R$ 19,7 milhões alimentaram diretamente o esquema montado pelo empresário Marcos Valério e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Quem autorizava essas operações, segundo os depoimentos, era o então todo-poderoso ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Luiz Gushiken, que integrava o triunvirato palaciano conhecido como "Núcleo Duro", do qual faziam parte o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci.
O "Núcleo Duro", como se sabe, centralizava todas as decisões governamentais, imiscuindo-se em todos os ministérios. Nada de relevo se fazia sem que aquela trinca o aprovasse.
Na área da Secretaria de Comunicação, reinava absoluto Gushiken. Quando começaram a pipocar as denúncias envolvendo agências de publicidade, o próprio Gushiken tratou de afastar-se do cargo, o que é compreensível. Já não possuía credibilidade para geri-lo.

Esses são os fatos. O que podemos dizer é que os sinais que deles emergem são alarmantes. Para dizer o mínimo

O que é espantoso e inconcebível é que continue no governo. Não existe confiança pela metade, assim como não há meia gravidez. Se ele já não merecia a confiança presidencial (e da nação) para continuar no primeiro escalão, não há como continuar no terceiro, no quarto ou no quinto.
Mas ele continua no governo -e no Palácio. E essa situação anômala faz supor que o presidente teria receio de demiti-lo. E o receio (o raciocínio é inevitável diante dos fatos) derivaria da cumplicidade estabelecida entre ambos.
Está claro que as ilicitudes já detectadas não foram fruto de ações isoladas ou individuais.
Inserem-se numa operação sistêmica de que participava a cúpula do PT e do governo. O que estava em pauta era a perpetuação dessa estrutura política no poder. Uma estrutura centralista, operada a partir do "Núcleo Duro", onipresente nas ações de governo.
É concebível que nenhum deles soubesse o que se passava no Banco do Brasil? Nenhum deles jamais ouviu falar de Marcos Valério, que, de 2002 em diante, passou a operar na escala do bilhão de reais, dentro do governo, e a distribuir dinheiro a parlamentares da base governista a partir de indicações feitas pelo tesoureiro petista Delúbio Soares? Não é crível, de maneira nenhuma.
Há múltiplos depoimentos de figuras de proa de dentro e fora do governo atestando o caráter centralizador da gestão do ministro Gushiken, não apenas na Secom mas em tudo o que envolvesse publicidade no governo Lula. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, diz que nada se fazia sem o aval dele.
O publicitário Maurício de Santana, ex-diretor de uma das agências que prestaram serviços aos Correios no governo Lula, a Link Baggs, afirma que "todos os contratos passavam pela Secom, que aprovava desde o conceito até o layout e o orçamento".
E Gushiken, como José Dirceu, repete que sempre agiu com o aval do presidente, que jamais fez nada escondido etc. E o presidente diz que não sabia de nada, que foi traído (e não diz por quem nem por quê) -etc., etc.
Esses são os fatos. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em estado de vigília cívica, os acompanha e analisa sem precipitações, mas também sem acovardamentos. Cumprirá, no momento oportuno, seu dever cívico.
O que, desde já, podemos dizer -e lamentamos fazê-lo às vésperas das festas de fim de ano-, é que os sinais que deles emergem são alarmantes. Para dizer o mínimo.