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BRASÍLIA - A cassação de José Dirceu foi selada à meia-noite: 293 votos a favor, 192 contra. Na mesa, uma cena congelada. Aldo, Nonô, Inocêncio, assessores, secretárias, todos paralisados, com ar de espanto. No plenário, nenhum aplauso, sorriso, choro. A única manifestação, patética, foi o sinal de vitória de Jair Bolsonaro para a galeria de petistas. Perplexidade. Uma tristeza sem fim.
O impossível aconteceu. O líder estudantil, o mito de uma geração, o principal líder do PT, o homem forte da República está fora da vida pública por intermináveis dez anos.
Dirceu tem uma vida rica e rara, ora com enorme luminosidade, ora envolvida em sombras, mas sempre guerreira. Foi assim que ele foi cassado, guerreando até o fim com os monstros que usou contra antigos adversários: a oposição, a opinião pública, a imprensa, os colegas, muitos do próprio partido. E os fatos.
"O que é público e notório dispensa provas. Ricardo Fiúza é corrupto. Isso é público e notório e dispensa provas", dizia Dirceu, em 1994, com um abaixo-assinado "clamando" pela cassação do deputado pernambucano. Chegou a sua vez. É "público e notório" que, se Marcos Valério existiu, e se Delúbio fez o que fez, é porque ele, no mínimo, autorizou.
A tradição mostra que, uma vez cassado, o sujeito pula da ribalta para o anonimato. No poder, não consegue andar na rua, pelo assédio dos puxa-sacos. Como réu, alterna a ira dos contrários e o afago dos favoráveis. Já cassado, vira invisível.
Como tudo em Dirceu é peculiar, as apostas de ontem, ainda sob o choque da cassação, eram se ele vai cumprir a sina de todo cassado, a invisibilidade, ou se vai ressurgir das cinzas, como Fênix que é -por personalidade e pela volúpia do poder.
A pista pode estar no seu derradeiro discurso. Frio, político, sem concessões a um ingrediente fundamental em votações corporativas: a emoção. Antecipando a cassação e já engatando o futuro. Dirceu morreu, mas Dirceu nunca morre.