Ver para crer
Mais uma vez o governo anuncia, para daqui a alguns dias, a retomada do processo de concessão para a iniciativa privada de oito trechos de rodovias federais, entre os quais as ligações São PauloCuritiba e São Paulo-Belo Horizonte, num total de 3.059 quilômetros de extensão. Não é a primeira vez que se faz anúncio semelhante, mas os brasileiros que sabem da importância dessas concessões para a conservação e melhoria das estradas e conhecem a novela em que o caso se transformou torcem para que seja a definitiva. Afinal, fala-se das concessões pelo menos desde 1998, e até agora, na prática, tudo não passou de conversa.
O caso da BR-116 entre São Paulo e Curitiba, a Rodovia Régis Bittencourt, tornou-se um símbolo da ineficácia das políticas do governo federal para o setor rodoviário nos últimos dez anos. Sua duplicação, iniciada em 1996, ainda não foi concluída, por dificuldades para a obtenção de licença ambiental para a construção de alguns trechos ou por desinteresse do governo, e a estrada apresenta graves problemas, principalmente de segurança. Por falta de conservação, pontes ruíram ou estão em mau estado em diversos pontos. Nos trechos ainda não duplicados, isso resulta em longas filas. Sua operação pela iniciativa privada evitaria a degradação que se observa hoje.
Mas o processo de privatização pouco avançou, e não apenas no caso da Régis Bittencourt. Em diversas oportunidades, divergências técnicas entre o governo e o Tribunal de Contas de União (TCU) a respeito de parâmetros e projeções econômico-financeiras que balizariam os contratos de concessão levaram à suspensão do processo de licitação, para que as regras fossem refeitas. Em outras, como em 2003, o primeiro ano do governo Lula, razões políticas determinaram a paralisação do processo, para sua completa revisão.
Em dezembro de 2000, o Tribunal de Contas da União considerou que o processo continha irregularidades, entre as quais o fato de limitar a um pequeno grupo de empresas o direito de participar das licitações, e o suspendeu. A liberação ocorreu em 2001, mas o governo Fernando Henrique optou por deixar a retomada do processo para seu sucessor.
Só no segundo semestre de 2003 o governo Lula começou a tomar decisões sobre as concessões rodoviárias. Uma delas, anunciada em setembro daquele ano, era a de retomar a licitação de dois dos sete trechos (agora são oito) a serem operados por empresas privadas, enquanto nos demais cinco casos, entre os quais o das Rodovias Régis Bittencourt e Fernão Dias (São Paulo-Belo Horizonte), o processo seria reexaminado. A revisão, prevista para ser feita em seis meses, demorou muito mais.
Só em novembro do ano passado, 14 meses depois, o processo para todos os oito lotes foi retomado, com a publicação de um aviso de audiência pública preliminar ao lançamento dos editais de concessão. E esses editais só foram publicados em abril deste ano, ou seja, quatro meses depois de o governo ter cumprido metade do mandato. A intenção do governo era realizar os leilões de concessão em setembro e transferir esses trechos para a operação pela iniciativa em outubro.
O processo, entretanto, foi interrompido em julho pelo Tribunal de Contas, que viu, nas regras dos editais, o risco de a tarifa dos pedágios ser alta demais, em razão de projeções superestimadas pelo governo para os custos operacionais da empresa concessionária e também para a lucratividade tomada como base para o cálculo dessa tarifa. No último dia 14, finalmente, o TCU autorizou a publicação dos editais, desde que corrigidas as inconsistências apontadas.
O governo deve publicá-los em janeiro. As regras básicas já são conhecidas, e não foram questionadas pelo TCU. Os critérios para a determinação do vencedor serão a menor tarifa de pedágio e o maior valor de outorga. O processo terá duas etapas. Na primeira, será vencedora a empresa que oferecer a menor tarifa.
As concorrentes que tiverem sugerido pedágio até 5% maior do que a vencedora participarão da segunda, na qual será vencedora a que oferecer o melhor preço de outorga. Mesmo assim, os novos editais terão de passar pelo exame do TCU, que pode novamente interromper o processo Como se vê, não há nada de novo no anúncio que o governo acaba de fazer - a não ser, é claro, sua irritante repetição.