segunda-feira, dezembro 26, 2005

Editorial da Folha de S Paulo

SEM COMPROMISSOS

Não chega a espantar que, para receber os dois salários adicionais pagos durante o período de convocação extraordinária do Congresso, 91 parlamentares do PT tenham ignorado um artigo do estatuto do partido que veta o recebimento de remunerações extras e recomenda o combate a esse tipo de privilégio.
Apenas três parlamentares petistas haviam recusado os vencimentos adicionais: Dr. Rosinha (PR), Walter Pinheiro (BA) e Vicentinho (SP). Os demais -12 senadores e 79 deputados- aceitaram a primeira parcela do benefício.
Nada disso surpreende. Desde que chegou ao Executivo federal, o PT tem se esmerado em arruinar a imagem de guardião da ética que havia construído ao longo de anos. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em nada se parece com o que pregava a legenda quando estava na oposição. Também grande parte dos compromissos de campanha foi abandonada.
Ao deixar de lado o estatuto da legenda, os parlamentares do PT apenas confirmam o que a sociedade brasileira já percebeu desde que explodiu o escândalo do "mensalão": não há diferença entre eles e os políticos que antes o petismo combatia, chamando-os de "tradicionais". É verdade que os contrastes ideológicos esmaeceram após a derrocada do socialismo -e um processo de convergência para o centro passou a marcar a política em diversos países.
Não com certo retardo, o mesmo ocorreu no Brasil. Mas bem diferente é a perda do sentido ético, em especial num país onde fomentar costumes republicanos é algo que pode assumir dimensões de reforma civilizatória. É nesse sentido que a deterioração do padrões de comportamento do PT deve ser lamentada.
Com todos os conhecidos problemas doutrinários da legenda, ela representou um papel importante na elevação do nível de exigência ética na política brasileira. Mas, infelizmente, isso já ficou no passado.