quinta-feira, dezembro 29, 2005

Brasil - Idéias para tirar o Estado do buraco



Ricardo Balthazar
Valor Econômico
29/12/2005

É mais fácil prever quais serão os participantes da campanha eleitoral de 2006 do que adivinhar as idéias que eles vão apresentar ao país. Poucos duvidam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será candidato à reeleição. Os tucanos devem decidir em alguns meses se lançarão contra ele o prefeito de São Paulo, José Serra, o governador Geraldo Alckmin, ou Aécio Neves, de Minas Gerais. Mas é cedo para dizer se a disputa será dominada pela lavagem da roupa suja dos políticos, ou se haverá lugar para discutir algo que interesse aos eleitores.

Um volumoso estudo sobre as contas do governo que acaba de ser divulgado oferece algumas pistas sobre o que os tucanos terão a oferecer se o candidato do PSDB for Serra, hoje apontado pelas pesquisas como o que tem melhores condições de derrotar Lula. O trabalho foi escrito pelos economistas José Roberto Afonso, Erika Araújo e Geraldo Biasoto. Afonso, assessor da bancada tucana na Câmara dos Deputados, e Biasoto, que trabalha na prefeitura, são antigos colaboradores do prefeito.

O documento foi publicado há uma semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e está disponível na internet ( www.ipea.gov.br/pub/td/sumex/se1141.htm). Quatro quintos da papelada são preenchidos com tabelas, gráficos e um apanhado abrangente dos problemas do país na área fiscal. O filé está nas páginas que encerram o estudo, onde os tucanos apresentam um conjunto de sugestões para recuperar a capacidade do governo federal de investir em infra-estrutura.

Na sua avaliação, o aperto de cintos dos últimos anos foi "perverso", porque comprimiu as despesas do setor público sem criar condições para que a iniciativa privada fizesse os investimentos necessários no seu lugar. Eles duvidam que as parcerias público-privadas (PPPs) lançadas pelos petistas possam resolver alguma coisa, e acham que as empresas sentem-se inseguras demais para investir no volume e na velocidade que a situação das estradas e dos portos brasileiros torna desejável.

A alternativa que eles propõem é uma mudança na forma como os investimentos públicos são financiados e contabilizados. Projetos considerados estratégicos por Brasília seriam executados pelo governo com "recursos específicos, captados diretamente no mercado", por meio de empréstimos comuns ou fundos de investimento. Os investidores teriam garantias legais de que seu dinheiro seria bem administrado. Projetos que exigissem subsídios do governo para se tornar viáveis economicamente e assegurar taxas de retorno adequadas para os investidores seriam contabilizados de maneira diferente.

Os gastos do governo com esses subsídios seriam anotados na medida em que ocorresse o desembolso, como despesas comuns da administração. Mas os demais recursos aplicados nesses projetos seriam contabilizados à parte, como investimentos. Dessa maneira, eles ficariam livres das restrições que atualmente obrigam o governo a cortar investimentos para cumprir metas fiscais e reduzir os índices de endividamento do setor público. De acordo com a lógica dos tucanos, boa parte dessas despesas mereceria o tratamento especial porque seria financiada de maneira independente do caixa do Tesouro.

Eles acham o sistema vantajoso em relação às PPPs, modelo em que empresas privadas tomam recursos no mercado para executar projetos do governo e recebem subsídios em alguns casos. Para os tucanos, seu modelo contabiliza essas despesas com mais transparência e reduz a transferência de riscos para o futuro. Não fica claro como eles imaginam que convenceriam os investidores a apostar em projetos sobre os quais aparentemente os donos do dinheiro não teriam nenhum controle.

 Uma alternativa tucana para as PPPs 

O estudo também sugere que estatais como a Petrobras e a Eletrobrás, que andam com as próprias pernas sem ajuda do Tesouro, sejam excluídas da contabilidade das metas fiscais do governo. Isso deixaria essas empresas livres das amarras que hoje inibem seus investimentos. É uma idéia difícil de vingar, por causa do peso da contribuição das estatais para o ajuste nas contas do governo. Em 2002, o Fundo Monetário Internacional (FMI) permitiu que o país abrisse uma exceção para os investimentos da Petrobras, mas essa brecha nunca foi aproveitada.

Outra proposta dos tucanos apresenta uma solução drástica para as várias contribuições que Brasília arrecada e mantém trancadas no cofre, sem aplicá-las nas finalidades previstas em lei, como é o caso dos tributos criados para financiar obras em estradas, pesquisas científicas e projetos de inclusão digital. De acordo com o trabalho, seria melhor se o governo emprestasse esse dinheiro para a própria iniciativa privada investir. Ou ele poderia ser separado para oferecer garantias aos investidores que aceitassem financiar os projetos prioritários do governo.

Afonso, Erika e Biasoto dizem que as propostas do seu trabalho "não quebram os conceitos fundamentais da política fiscal, mas permitem a alavancagem do investimento do setor público em volumes maiores e no ritmo mais rápido possível". Talvez nada disso funcione. Mas seria um exagero interpretar o estudo como se fosse um programa de governo pronto para ser implementado. Sua leitura é útil para entender o que os tucanos andam pensando e perceber as diferenças entre o que eles propõem e o que os petistas fizeram nessa área nos últimos anos.

Faltou cuidado na revisão

O trabalho divulgado pelos economistas tucanos foi feito para atender uma encomenda do Banco Mundial. Ele é a versão revista de um relatório que ficou pronto em março, quando ninguém tinha ouvido falar do mensalão ainda e a extensão da roubalheira na administração petista era pouco conhecida.

Se tivessem feito uma revisão mais atenta do estudo antes de publicá-lo, os autores estariam livres de um detalhe embaraçoso. Eles incluíram os Correios no grupo de empresas públicas que mereceriam ser liberadas das atuais amarras. Está lá na página 96, onde a estatal é descrita como uma organização exemplar, conduzida pela "melhor gestão empresarial possível".