sexta-feira, dezembro 23, 2005

Barbaridade! Eduardo Graeff

Barbaridade!

 (23/12/05 10:10)

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A entrevista de Márcio Thomaz Bastos hoje na Folha é um escândalo dentro do escândalo. Depois de meses de exposição dos esquemas de corrupção do governo Lula e seu partido, o ministro da Justiça vem a público, não para apresentar resultados das "rigorosas investigações" que ele determinou, mas para avisar que a Polícia Federal vai monitorar os partidos e seus comitês de campanha para inibir o uso de "caixa 2". Só exclamando feito na minha terra: barbaridade!

De fato, a entrevista tem uma penca de barbaridades.

Primeiro, se caixa 2 "é coisa de bandido", como andou dizendo o ministro, ele poderia aproveitar a oportunidade e explicar o que a pasta dele e a polícia a ele subordinada fizeram ou deixaram de fazer até agora para tirar de circulação dezenas de praticantes confessos desse crime expostos desde a denúncia do "mensalão". Ao silenciar sobre isso, deixa implícito que todos os partidos são culpados, ou pelo menos suspeitos, e vamos passar uma esponja no passado. Em matéria de pregação da anistia, eu preferia o Thomaz Bastos da década de 1970.

Segundo, "caixa 2" uma conversa! Como o próprio ministro admite na entrevista, por um lapso, "se eu fosse o advogado, montaria uma história muito melhor do que essa". Referindo-se, ora vejam, à famosa entrevista parisiense na qual Lula endossou oficialmente a teoria dos "recursos não contabilizados de campanha". Como advogado do governo, o doutor Thomaz Bastos teria o direito de sustentar a "versão da parte". Como ministro da Justiça e chefe de polícia, não. A obrigação legal dele é mandar investigar e tomar conhecimento das provas que a esta altura, mesmo incompletas, enterram a versão do "caixa 2". No mínimo, na posição dele, deveria se abster de prejulgar.

Terceiro, numa frasezinha ligeira – "a investigação da CPI está contaminada por 2006" – ele desqualifica todo o trabalho sério dos deputados e senadores que, precisamente, desmonta a versão do "caixa 2". Como manifestação de desrespeito de um ministro da Justiça pelo Congresso, é com certeza mais um caso sem precedente "na história deste país".

Quarto, fica combinado assim: a investigação dos crimes passados do governo e seu partido pela CPI está contaminada, mas o monitoramento dos partidos em geral pela Polícia Federal, esse vai ser vacinado contra partidarismo. A polícia do ministro Thomaz Bastos vai grampear telefones dos adversários do governo em plena campanha eleitoral e, de tudo o que escutar, só as conversas sobre "caixa 2" vão ser filtradas. Com precisão absoluta, claro, para que o "efeito intimidativo" não afete a lisura da eleição. A oposição não tem com que se preocupar.

Quinto, e basta, toda essa operação estará protegida da bisbilhotagem da imprensa se o ministro conseguir aprovar a tempo a tal lei "controvertida" sobre publicação de escuta telefônica.

Beleza, ministro. Página memorável para a biografia de um defensor do Estado de Direito e democrata.

PF vai investigar caixa 2 de partidos em 2006, diz Bastos

Folha de S. Paulo (23/12/05)

ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ELEIÇÕES 2006
Ministro afirma que apurações sobre financiamento de campanha terão "efeito intimidativo"

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A Polícia Federal vai investigar o uso de caixa dois pelos partidos políticos nas eleições de 2006 e, se for preciso, utilizará instrumentos como escuta telefônica e operação de busca e apreensão com autorização judicial, segundo informou o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça).

Ele disse à Folha que a PF fará um "trabalho forte" com esse objetivo e negou o risco de uso político da polícia, afirmando que a atividade será de busca "impessoal" de indícios.

Para Thomaz Bastos, a investigação terá um "efeito intimidativo geral". "Durante muito tempo essa cultura foi tolerada", afirmou o ministro do governo Lula, envolvido em sua pior crise política por causa de um esquema de caixa dois montado pelo PT.

Em outra frente, Thomaz Bastos informou que está para ser enviado ao Congresso o projeto pelo qual o governo pretende conter a publicação na imprensa de conversas telefônicas grampeadas.

A idéia é classificar como crime até mesmo a divulgação de grampo autorizado judicialmente se os dados nele contidos tiverem caráter sigiloso, o que normalmente ocorre. O ministro admitiu que a proposta é "polêmica", mas defendeu a discussão do tema e a necessidade de controlar abusos.

Thomaz Bastos afirmou ainda que a investigação das CPIs "está contaminada por 2006" e que o governo Lula não soube, em meio à crise política, divulgar indicadores econômicos e sociais favoráveis à sua gestão. Acredita, porém, que Lula será reeleito.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ontem:

Folha - O governo Lula vive sua pior crise. O que pode ser feito para que práticas como a do caixa dois sejam evitadas no futuro?
Márcio Thomaz Bastos - No ano que vem, vamos ter eleição. Não foi feita uma reforma política, mas temos recursos suficientes na lei para evitar o caixa dois. Primeiro, com a Justiça Eleitoral fazendo fiscalização mais efetiva. Segundo, com um trabalho forte da Polícia Federal. Ela vai fazer um trabalho preventivo, de fiscalização, de busca de indícios, de forma impessoal. A lei define o caixa dois como crime eleitoral. O Estado tem de coibi-lo.

Folha - Como ela vai fazer isso, vai monitorar os tesoureiros?
Thomaz Bastos - Olha, eu não sei como ela vai fazer. Mas que ela vai fazer, ela vai fazer.

Folha - É um recado para os partidos políticos?
Thomaz Bastos - Tem esse efeito intimidativo geral, que é dizer: "Cuidado com caixa dois, porque é crime". Durante muito tempo essa cultura foi tolerada. Temos de acabar com isso, reservar o caixa dois para bandido, como o traficante, que não tem caixa um.

Folha - Esse trabalho da PF nas eleições de 2006 pode ser visto como uma arma contra os inimigos do governo?
Thomaz Bastos - Não, de jeito nenhum. Podem tirar o cavalinho da chuva. A PF hoje é outra. Até para dar um exemplo, sem nenhuma restrição de ordem pessoal aos cidadãos, mas o fato é que os dois diretores da PF do governo FHC que ficaram mais tempo foram candidatos a deputado federal. Tanto o [Vicente] Chelotti como o Agílio [Monteiro]. Você não imagina o Paulo Lacerda [atual diretor do órgão] candidato, é um homem voltado para a atividade policial.

Folha - A PF foi acusada de agir de forma marqueteira, com pirotecnia, e de usar operações na tentativa de abafar a crise.
Thomaz Bastos - É uma inverdade. Estamos trabalhando fortemente muito antes dessa crise no combate à corrupção. Houve um pouco, digamos assim, de efeito pedagógico demais num determinado momento. Mas baixei duas portarias disciplinando isso. Hoje há muito menos busca e apreensões espetaculares.

Folha - A oposição vai alegar que a PF poderá ser usada politicamente nessa investigação de caixa dois.
Thomaz Bastos - Olha, a gente apanha dos dois lados. Quando pegaram aquele rapaz com dinheiro na cueca [assessor de um deputado petista do Ceará], Nossa Senhora, caiu o mundo em cima de mim. Ficaram dizendo que a Polícia Federal era tucana.

Folha - Os grampos telefônicos e as operações de busca e apreensão serão usados na investigação do caixa dois?
Thomaz Bastos - Sim, com autorização judicial, sempre.

Folha - Por que o PT se envolveu com caixa dois?
Thomaz Bastos - Não sei, não tenho uma hipótese. Foi uma falta de expertise, falta de experiência e adesão a usos que são absolutamente condenáveis e que devem ser expurgados da vida pública do Brasil. O lado bom é que, daqui para a frente, vai ter muito menos, até porque as pessoas sabem que estarão sendo monitoradas.

Folha - Como o sr. encara a avaliação de que foi sua a estratégia de tentar circunscrever o esquema do mensalão a um caso de caixa dois?
Thomaz Bastos - É uma teoria conspiratória. Eu não fui. Todo mundo sabe que fui advogado criminal por 40 anos. Tenho uma muralha me separando de qualquer atividade dessa. A tal entrevista que o Lula deu em Paris [em que falou na versão do caixa dois para explicar a distribuição de dinheiro a aliados], eu nem soube. Nunca articulei essa versão, de jeito nenhum. Até porque, se eu fosse o advogado, montaria uma história muito melhor do que essa.

Folha - Como o sr. avalia o papel da oposição nessa crise? O sr. concorda que ela foi golpista?
Thomaz Bastos - Houve um momento em que se pensou em fazer o impeachment. Isso foi verbalizado por alguns, não quero dar nomes, e depois não houve mais. Mas a investigação da CPI está contaminada por 2006. Ao mesmo tempo em que é investigação, é campanha eleitoral.
O governo teve dificuldade de se comunicar nessa crise. Os números do governo Lula são espantosamente bons em todos os setores, mas esses dados não estão sendo bem comunicados.

Folha - Mas, com uma crise ética do tamanho da atual, o sr. não acha impossível fazer qualquer outra coisa?
Thomaz Bastos - Acho que o foco em demasia nesse assunto acabou prejudicando os dados positivos. Os dados da Pnad mostraram que o governo está fazendo o que um governo de esquerda tem de fazer, distribuição de renda. E isso se deve em muito ao controle da inflação, com isso deixa de punir o pobre e distribui renda. O Bolsa-Família é um projeto ambiciosíssimo, aplaudido pelo mundo todo.

Folha - O sr. acha então que, sem essa crise política, o Lula estaria reeleito?
Thomaz Bastos - Eu acho que ele já está reeleito, ele vai ser reeleito mostrando o que fez, esse grande êxito. Os nossos números resistem a qualquer comparação, são melhores que os dos tucanos, com toda a amizade que tenho com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Folha - Qual foi o principal erro do governo Lula?
Thomaz Bastos - Talvez tenha sido a comunicação lato sensu, não a comunicação da Secom, da propaganda, mas como atitude do governo. Tenho lido a respeito disso, acho que os governos de esquerda têm dificuldade de se comunicar. Eles acham que a comunicação é uma coisa que vem depois do fato, quando o certo é fazer a comunicação integrada com o fato, não como manipulação, talvez como linguagem simbólica.

Folha - O caixa dois não é outro grande erro?
Thomaz Bastos - Acho que isso não foi do governo, mas de um PT que está fora do governo e está fora da direção do partido agora.

Folha - Como está o projeto para controlar o vazamento de conteúdo de grampos telefônicos?
Thomaz Bastos - Ele está na Casa Civil. Ainda hoje pedi à ministra Dilma Rousseff para mandá-lo logo ao Congresso. O projeto disciplina o uso do grampo legal e criminaliza o abuso na divulgação do grampo ilegal. A divulgação do grampo legal será admitida desde que o conteúdo dele não esteja sujeito a sigilo. É uma questão a ser discutida. Já coloquei isso para alguns jornalistas, que estranharam um pouco. Eu mesmo estranho.

Folha - Há vários casos [de grampos] que são revelados aos próprios órgãos de investigação por meio da imprensa.
Thomaz Bastos - A Constituição protege a liberdade de imprensa. Então temos de abolir qualquer forma de censura. Você não pode impedir uma pessoa de divulgar o que queira, mas tem de responsabilizá-la de uma maneira eficaz pelos abusos que ela cometer. Esse é o princípio.

Folha - O projeto prevê pena de prisão para o grampo em si e a sua divulgação?
Thomaz Bastos - Sim, prevê pena e multa. Acho que não é prisão, não me lembro.

Folha - Se um jornalista obtém acesso a um grampo ilegal, sabendo que não teve autorização judicial, mas o publica no jornal, torna-se passível de punição?
Thomaz Bastos - Ele estaria fazendo uma figura similar à da receptação.

Folha - Não cabe punir só quem fez o grampo?
Thomaz Bastos - Só ele, não. Acho que temos de discutir isso. Não pode é ficar essa zona cinza, sem saber se pode ou não pode.

Folha - Pessoalmente o sr. é a favor da punição?
Thomaz Bastos - Sou a favor da normatização, não estou fechado.

Folha - O sr. falou que o conteúdo do grampo legal não poderá vazar se tiver informações sigilosas, mas sempre tem sigilo, não?
Thomaz Bastos - Em princípio, sempre é sigiloso. Ele disciplina toda a questão da interceptação telefônica, o grampo ilegal, o abuso do grampo legal.

Folha - Se a PF obtém uma autorização judicial para fazer um grampo e vaza o seu conteúdo para a imprensa...
Thomaz Bastos - A idéia é impedir esse vazamento, criar um sistema normativo de modo que não vaze, porque ele causa muito mais mal do que bem. E o grampo telefônico tem de ser usado com muito comedimento, porque ninguém escapa do grampo.