quarta-feira, novembro 30, 2005

Quem pode ser contra as políticas sociais?




artigo -Edward Amadeo
Valor Econômico
30/11/2005

No recente debate sobre o plano fiscal de longo prazo, os ministros da área econômica defendem menor crescimento dos gastos públicos e a ministra da Casa Civil, o contrário. Vale lembrar que o superávit primário está acima da meta de 4,25% do PIB mesmo com os gastos do governo federal se expandindo acima do PIB. Portanto, não está em discussão a redução do valor real dos gastos, mas o seu ritmo de expansão.

São os gastos correntes - com pessoal e inativos do setor público, previdência, políticas sociais e custeio da máquina - que crescem acima do PIB. Enquanto os impostos como proporção do PIB aumentaram sete pontos percentuais desde 1994, a poupança do governo caiu de 4,4% do PIB em 1994 para 2,8% em 2004 (conceito operacional); e o investimento do governo caiu de 3,6% para 2,2%. Ou seja, a carga tributária aumentou, mas o investimento e a poupança do governo caíram. Pode-se pensar que foram os juros os responsáveis pela falta de recursos para poupança e investimento, mas os juros reais sobre a dívida pública não mudaram em relação a 1994, permaneceram estáveis em 3,3% do PIB. E antes que venha o argumento de que foi o superávit primário o responsável, é preciso dizer que também foi o mesmo em 1994 e 2004 (em torno de 4%). O que aumentou nesses dez anos foram os gastos correntes.

Como mostram Fabio Giambiagi e Fernando Montero ("O ajuste da poupança doméstica no Brasil - 1999-2004", Ipea), de onde tirei esses dados, a despesa primária do governo federal aumentou de 16,5% do PIB em 1994 para 21,6% em 2005: gastos com INSS cresceram 2,5 pontos percentuais do PIB e demais gastos de custeio e capital, 1,5 ponto.

Hoje, no âmbito do governo federal, para cada real gasto (exceto juros), cinqüenta centavos se destinam a transferências de renda para aposentadorias, pensões, seguro-desemprego, abono salarial e políticas de assistência social (LOAS e Bolsa-Família).

O desenho e a composição das políticas sociais no Brasil merecem um debate. Sem dúvida, elas são importantes para reduzir a pobreza - notadamente o Bolsa-Família. Ao mesmo tempo, algumas reforçam a má distribuição de renda (a previdência do setor público, a aposentadoria por tempo de serviço, as universidades públicas). A aposentadoria dos trabalhadores da área rural e dos idosos carentes, que não contribuíram para a previdência, em muitos casos paga benefícios maiores que a renda do aposentado quando estava na ativa.

Quem pode ser contra as políticas sociais? Quem pode ser contra uma previdência social que sustenta pessoas pobres? Quem pode ser contra aumentar o salário mínimo e, por conseqüência, o piso de aposentados e pensionistas, assim como do seguro-desemprego e dos benefícios para idosos e deficientes? Com a pobreza que se tem no Brasil, parece inconcebível que não se tenha políticas de transferências, além da saúde e da educação públicas.


 Quanto mais se expandem os gastos com transferências, menor a acumulação de capital físico e humano, e menor o crescimento da renda 

 

Acontece que vários países, mais pobres que o Brasil há 40 anos, e hoje muito mais prósperos, escolheram outro caminho, e têm políticas de redução da pobreza e seguridade social muito modestas. A tabela mostra que, enquanto os países asiáticos despendem entre 2% e 5% do PIB com seguridade social (previdência, seguro-desemprego, seguro-saúde, assistência social), Argentina e Brasil gastam 12%, o Chile pouco mais de 11% e a Colômbia, 6%.

É sabido que demografia e previdência social são os dois principais determinantes da taxa de poupança de um país. Países com populações jovens e sistemas de previdência social equilibrados têm elevadas taxas de poupança. Esse é exatamente o caso dos países asiáticos cujas taxas de poupança superam 30% (Hong Kong, Coréia do Sul e Tailândia) e 40% (Cingapura, Malásia e China). O Brasil tem uma população jovem, a força de trabalho está próxima de seu ápice e a taxa da poupança doméstica está na casa dos 20%. Não é para menos que os asiáticos crescem o dobro do Brasil.

É curioso que um país comunista como a China não tenha um sistema de previdência social desenvolvido - menos ainda hipertrofiado. A tradição asiática é que as empresas - no caso chinês, as empresas públicas - ofereçam aposentadoria a seus trabalhadores. Na ausência de um sistema de previdência pública, os indivíduos poupam. Na China, com a redução do número de empregos em empresas públicas, o cidadão chinês tende a poupar uma grande parte de sua renda para a aposentadoria. Tampouco a assistência à saúde é gratuita na China: 20% dos gastos totais com saúde vinham dos indivíduos em 1978, e 80% do governo; hoje, os indivíduos arcam com 58% - mais uma razão para poupar.

É uma decisão difícil: o tamanho e a composição das políticas de compensação social. Mesmo nas políticas sociais existe uma escolha entre "manutenção" e "acumulação". Gastos com transferências (aposentadorias, seguro-desemprego, abono salarial, Bolsa-Família etc.) financiam o consumo de famílias e reduzem a pobreza hoje, como atestam os dados da PNAD divulgados na semana passada. Os gastos com educação e saúde das crianças são investimentos que reduzirão a pobreza no futuro, de modo permanente. Quanto mais se expandem os dispêndios com transferências, menor a acumulação de capital físico (infra-estrutura) e humano (educação e saúde), e menor o crescimento da renda ao longo do tempo.

Os países asiáticos fizeram uma escolha a favor da acumulação de capital físico e humano e são até hoje muito econômicos em seus gastos com proteção social. Na América Latina, a tradição é que o governo ofereça não só aposentadoria, mas um sistema de proteção social que, no Brasil, vem crescendo muito nos últimos anos. O crescimento dos benefícios sociais obriga o governo a aumentar a carga tributária e reduzir os gastos com investimentos.