terça-feira, novembro 29, 2005

Luiz Garcia Joca Hood

o globo


A informação veio da própria polícia: Joca, novo chefe do tráfico de drogas na Rocinha, proibiu furtos, assaltos e outras formas de violência contra moradores em seus domínios.

Já foram expulsos (não se sabe se das imediações ou do nosso vale de lágrimas) variados assaltantes de casas, e matadores sem justa causa (na ótica bandida, claro), ladrões de carros e estupradores.

Agiam na vasta área que Joca considera sua suserania. Não é pouca coisa: vai de um shopping na Barra até o Humaitá.

Pelo menos superficialmente, parece se tratar de um bandido à moda antiga. Joca tem quase 40 anos (um ancião, pelas tabelas atuariais do submundo) e dizem que não usa drogas. Parece acreditar que uma eficaz política assistencialista à sua maneira — com execução ou espancamento de pequenos ladrões, maridos que batem demais na mulher etc. — manterá a comunidade ao seu lado e a polícia à distância.

No começo dos anos 80, quando o governador Brizola lançou o conceito do bandido-cidadão, muita gente — até sensata em outras áreas — acreditou ingenuamente que as favelas viveriam melhor com menos policiais por perto, e mais representantes de algo vagamente parecido com o Robin Hood do cinema.

Contavam-se casos, verdadeiros ou não. Como o da velhinha de Botafogo que, assaltada num ônibus por dois pivetes, foi se queixar ao gerente da boca-de-fumo do Dona Marta. Pois, imaginem só, lá estava a dupla de ladrões. Cada um levou um tiro na mão que escolheu (existia esse direito) e a senhora foi embora com seu dinheiro.

Mas dou testemunho do caso verídico de um amigo, cujo escritório numa ladeira da Zona Sul foi arrombado, e muita coisa roubada. Um seu contínuo, morador do morro, levou a vítima até o chefe do tráfico local: era pouco mais que um rapazote, mas tinha odor de autoridade. Prometeu conseguir a devolução de tudo e anunciou a execução do ladrão. A vítima argumentou que não era para tanto e ouviu explicação taxativa:

— Doutor, não posso ter ladrão por aqui. Preciso ter certeza de que, quando os homens sobem o morro, é atrás de mim e de mais ninguém. Se não, passo a vida me escondendo.

Ele podia até ter razão. Mas o que importa é o fato de que, como o tempo mostrou, a teoria do marginal-cidadão era demagogia para eleitor dormir. Esse e outros equívocos levaram à situação preta que vivemos hoje, muitas vezes pior. Em parte devido aos anos da equivocada teoria brizolista, em parte porque, mesmo depois de desmascarada a tese (e de outras almas simples), ainda não se descobriu forma eficiente e duradoura, e permitida pelos recursos em caixa, de reduzir as dimensões do problema.

O Favela-Bairro, já se viu, tem efeito limitado e parece só dar certo em pequenas comunidades. Quanto a pintar as casinhas em cores alegres, como andam fazendo (e não é a primeira vez), parece que não traz paz ou alegria: ora vejam só, o uso de cores vivas produz humor negro.

Enfim, a esperança é a última que leva uma rajada de AK-47 no bucho. Portanto, a prudente distância, acompanhemos a carreira do suposto Robin Hood da Rocinha. Sem adesão ou entusiasmo: pelo menos já sabemos que nada adianta trocar um estilo de bandidagem por outro, só porque o novo é bom de marketing.