FSP
Palocci admite liberar verbas e Dilma aceita arrocho maior
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil) se reuniram na manhã de anteontem e selaram um acordo político. Os dois acertaram que ele fará em 2005 um arrocho fiscal maior. E que ela terá cerca de R$ 2 bilhões do Orçamento de 2006 liberados para investimentos (obras e projetos novos) já em janeiro e fevereiro. Essa última medida é de interesse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deverá disputar a reeleição no ano que vem.
Após recado de Lula na sexta-feira para não "tripudiar" ou "humilhar" Dilma, Palocci pediu ao chefe-de-gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, que articulasse o encontro. Palocci e Dilma são vizinhos na mesma quadra, no Lago Sul, área nobre de Brasília. Ela mora na casa que abrigou o seu antecessor na Casa Civil, o deputado federal José Dirceu (PT-SP), com quem Palocci também teve divergências.
Ontem de manhã, Palocci e Dilma se reuniram com Lula no Palácio do Planalto e conversaram normalmente. Antes, mal se falavam. À tarde, participaram de reunião preparatória para a Junta Orçamentária, instância que analisa mensalmente para quais projetos e obras serão liberados recursos. A junta deverá permanecer como está, apesar de seus poderes terem sido motivo de batalha entre os dois.
Além das concessões políticas, eles decidiram superar a "personalização de discussões objetivas", nas palavras de um ministro. Ou seja: continuarão com divergências internas e uma relação de desconfiança mútua, mas sem guerra pessoal e pública.
Acelerar gastos em 2006
Tradicionalmente, o Orçamento do ano corrente começa a ser executado para valer a partir de março e abril. Entre janeiro e junho deste ano, por exemplo, os gastos reais em investimentos, que são obras ou projetos novos, somavam apenas R$ 196 milhões dos R$ 15,7 bilhões (1,25%) previstos para essa finalidade no ano.
Agora, Palocci prometeu liberar logo no início do ano cerca de R$ 2 bilhões para priorizar obras e projetos em fase adiantada de execução, medida que interessa à reeleição de Lula. A proposta de Orçamento de 2006 que o governo enviou ao Congresso prevê R$ 14,32 bilhões de investimentos.
Em ano de eleição, há maior dificuldade legal para gastos. Exemplo: veto a transferências de recursos da União a Estados e municípios após 30 de junho. Ou seja, ao "adiantar" R$ 2 bilhões para Dilma já em janeiro e fevereiro, Palocci permitirá que haja melhor programação dos gastos e que os resultados aconteçam no primeiro semestre, o que vitaminaria o PT e Lula nas eleições.
Apesar da decisão de acelerar gastos no início do ano, o governo pretende cumprir a meta oficial de superávit primário -4,25% do PIB (Produto Interno Bruto).
O ministro da Fazenda disse que o maior esforço fiscal deste ano manterá equilibrada a relação entre a dívida pública e o PIB e que os juros, em baixa, não elevarão essa relação no ano que vem.
Ficou acertado entre Dilma e Palocci que o governo realizará neste ano um superávit primário superior à meta oficial de 4,25% do PIB. Na segunda-feira da semana passada, ele já obtivera promessa de Lula nesse sentido. Faltava, porém, costurar com Dilma, que estava insatisfeita e viajou com o presidente na sexta-feira ao Ceará. De surpresa, Lula a convidou a acompanhá-lo e deixou um recado para Palocci. Considerando o ministro da Fazenda vitorioso na queda-de-braço com a colega da Casa Civil, Lula pediu a um auxiliar que dissesse a Palocci para não hostilizar mais Dilma.
O ministro se recusara a participar de uma série de reuniões de governo com a colega. Diante da contrariedade de Lula e avaliando que estava na hora de fazer uma concessão, Palocci procurou Dilma e ambos conversaram por cerca de duas horas.
Na reunião de domingo, as duas partes desabafaram. Tiveram conversa "madura" e "franca", segundo um auxiliar de Lula. Palocci se disse atacado por ela numa hora de fragilidade (acusações de corrupção na sua gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto). O ministro reclamou de Dilma querer interferir além da conta em atribuição sua: liberar verba.
Já a ministra se disse bombardeada pelo colega, que a teria carimbado como irresponsável gastadora. Repetiu que só tentava implementar ordem do presidente: trazer o superávit primário o mais próximo possível da meta de 4,25%. Para Dilma, é Palocci quem quer mudar a política econômica ao elevar o superávit.
Com o acordo Dilma-Palocci, o superávit primário de 2005 deverá terminar o ano na casa dos 4,7% (cerca de R$ 91,5 bilhões) do PIB sem que haja guerra interna por isso. A meta oficial, de 4,25%, equivale a R$ 82,7 bilhões. A diferença de R$ 8,8 bilhões corresponde ao dinheiro liberado para investimentos em 2005 que não foi gasto, como revelou a Folha anteontem. Esses R$ 8,8 bilhões representam 56% da autorização para investimentos.
Ambos acertaram que retomarão o debate sobre ajuste fiscal de longo prazo, tema que deu início à crise entre eles.