quarta-feira, novembro 30, 2005

EDITORIAIS de O ESTADO DE S.PAULO

Um retrato em tom cinza

O tom predominante do retrato que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) faz do Brasil ainda é cinza, como não poderia deixar de ser. Este continua sendo um país cheio de carências econômicas e sociais, conhecidas de longa data por todos os que se debruçam sobre a realidade nacional, mas cuja extirpação, ainda assim, continua distante. É inegável, porém, que esse mesmo retrato é uma prova de que - algumas vezes em decorrência de decisões das autoridades e outras, a despeito delas - o País progride. Mais lentamente do que se deseja, mas progride.

Realizada anualmente pelo IBGE, a Pnad é o melhor resumo estatístico das condições de vida, trabalho e rendimento dos brasileiros. Os dados agora divulgados referem-se a 2004. No ano passado, o número de brasileiros ocupados e com rendimento cresceu 3,2% em relação ao ano anterior. Isso significa que 2,7 milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado de trabalho. O número de empregados com carteira assinada, isto é, no mercado formal, onde geralmente os salários são mais altos e as condições de trabalho, melhores, cresceu 6,6%. A melhora foi quantitativa e também qualitativa.

O dado sobre o rendimento real médio é menos animador. O valor de 2004 é rigorosamente igual ao do ano anterior. É o pior resultado desde 1995, quando, em decorrência da estabilização monetária propiciada pelo Plano Real, o rendimento médio da população teve grande elevação. O resultado do ano passado, de R$ 733, é 18,8% menor do que o de 1996 e 25% inferior ao de 1986, ano do Plano Cruzado. Mas é possível ver, nesse resultado, um aspecto positivo: o rendimento real médio mensal das pessoas ocupadas, que caía desde 1996, pelo menos se estabilizou. Espera-se que isso represente a mudança da tendência de queda observada nos últimos anos.

No que se refere à renda, um dado igualmente importante é o que trata de sua distribuição. Os estatísticos em todo o mundo utilizam, para aferir a distribuição de renda numa sociedade, o Índice de Gini, que varia de zero a um. Quanto mais próximo de zero estiver o índice, mais igualitária é a distribuição; inversamente, quanto mais próximo de 1, mais concentrada é a renda. No caso brasileiro, esse índice vem caindo há vários anos. Era de 0,6 em 1993 e diminuiu para 0,554 em 2003 e 0,547 no ano passado.

A queda do índice em 2004, mostrando melhora na distribuição de renda no País, decorreu de uma combinação de dois movimentos em sentido contrário. O rendimento médio do trabalho da metade mais pobre aumentou 3,2%, enquanto o da metade mais rica diminuiu 0,6%.

Com base nos números da Pnad, o Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) concluiu que a miséria foi reduzida em 8% no ano passado, quando o número de miseráveis diminui em 2,6 milhões. E isso ocorreu num ano em que, pelos dados do IBGE, não houve aumento do rendimento real médio da população. A melhora da distribuição de renda no País é a explicação mais forte para a redução da miséria, diz o coordenador do CPS, Marcelo Neri. Por décadas, mesmo nos períodos de crescimento, a distribuição da renda continuou imutável. Neri comemora a alteração observada em 2004. "A desigualdade finalmente pode estar começando a ceder", diz. E um dos fatores responsáveis por isso pode ser, na sua opinião, o aumento da escolaridade da população.

No aspecto educacional, a PNAD igualmente mostra um país com problemas, como o alto índice de analfabetismo, mas que, também nesta área, melhora. Em 2004, dos jovens na faixa dos 7 a 14 anos, 2,9% estavam fora das escolas; em 2003, eram 4,3%. É preocupante, porém, o alto índice de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. No ano passado, 5,3 milhões de pessoas entre 5 e 17 anos trabalhavam, principalmente no setor agrícola.

Outro dado que mostra um país melhor é o número de moradias, que pela primeira vez ultrapassou 50 milhões, e o uso crescente de equipamentos domésticos, como aparelhos de televisão, fogão e geladeira. A persistência de um índice elevado de domicílios sem serviço de abastecimento de água e de coleta de esgotos, entretanto, mostra quanto o País precisa investir, e com presteza, em saneamento básico.