terça-feira, novembro 01, 2005

AUGUSTO NUNES O perigo mora logo ao lado

JB

Dos três superministros de Lula, Antônio Palocci foi o último a conhecer os ventos fortes de 2005. Só chegaram em 19 de agosto, na esteira das denúncias feitas pelo advogado Rogério Buratti, chefe de governo da prefeitura de Ribeirão Preto no primeiro mandato de Palocci. Naquele dia, José Dirceu, agarrado a becas e togas, já tentava escapar do atoleiro onde pousara em 16 de junho, ao cair da Casa Civil. Luiz Gushiken seguia no Planalto, mas transformado em secretário do Nada: perdera em 12 de julho o status de ministro e o latifúndio da Secom. Palocci continuava incólume.

Desde o começo da crise, tecera-se em torno do ministro uma rede de proteção providenciada pelo governo e respeitada pelos maiores partidos de oposição. Os antigovernistas de esquerda estavam ocupados demais com as CPIs. Faltou-lhes tempo para lembrar que Ribeirão não fica tão longe de Brasília. Faltou-lhes tirocínio para perceber que ali estava, desde 1992, o flanco exposto.

Ao assumir o cargo, Palocci instalara na mais importante secretaria municipal o homem indicado pela direção regional do PT para tutelar o prefeito aprendiz. O forasteiro não demorou a adaptar-se à cidade e tornar-se amigo do jovem chefe. Juntos, incorporaram à administração práticas corriqueiras nas cidades controladas por petistas. Celebrar contratos superfaturados com empresas coletoras de lixo, por exemplo.

O valor adicional era remetido ao comando do partido, que saberia utilizá-lo nas campanhas eleitorais. Os contribuintes nada perdiam. O PT engordava o caixa 2. Prefeitos e assessores dormiam o sono dos justos. No país dos companheiros, certas leis codificadas pelas elites são revogadas em nome do povo.

A Leão & Leão, empresa especializada no ramo do lixo, já cuidava da limpeza de Ribeirão Preto. O contrato renovado incluiu uma cláusula verbal: a cada mês, a prefeitura receberia R$ 50 mil por fora. Na metade do mandato, Palocci teve de demitir o assessor metido em outras bandalheiras. A amizade continuou. Logo Buratti virou diretor da Leão & Leão e saltou para o outro lado do balcão. Em vez de receber propinas, agora cuidava de pagá-las.

Depois de uma segunda temporada na prefeitura, encurtada pela ascensão ao poder central, Palocci ficou menos acessível ao antigo parceiro. Buratti telefonava com freqüência para o Ministério da Fazenda. Conversou pouco com o comandante da economia. Falou bastante com o chefe de gabinete, Juscelino Dourado. Falou tanto que Dourado teria de pedir demissão dias depois da confusão armada por Buratti.

Enredado em novas enrascadas, o trapalhão profissional fora preso. Para safar-se da cadeia, contou aos promotores o que sabia. As patifarias no lixo envolviam Antônio Palocci, garantiu o advogado com cara de dono de quitanda. O ministro foi rápido no gatilho. Convocou uma entrevista coletiva para a manhã do dia seguinte, um sábado. Negou tudo.

Palocci costuma ser convincente nesses momentos: ele mantém a expressão do médico que diz a todos os pacientes que aquilo tem cura. Foi liberado para deixar o palco. Acabou de voltar, novamente pelas mãos de Buratti, agora cantando em dueto com o economista Vladimir Poletto, assessor do prefeito Palocci no segundo mandato.

Ambos afirmaram à revista Veja que a campanha presidencial de Lula foi anabolizada por dinheiro procedente de Cuba. Buratti disse que foram US$ 3 milhões. Poletto, que jura ter recolhido o donativo na casa de um diplomata cubano em Brasília, reduziu a quantia à metade. Buratti informou que Palocci ajudou a desenhar a rota percorrida pelos dólares. Poletto garantiu ter transportado para São Paulo o dinheiro escondido em garrafas de uísque e rum.

Nessa versão, a bolada foi entregue a Ralf Barquette - outro assessor de Palocci, morto em junho de 2004 -, que cuidou de repassá-la ao comitê central da campanha de Lula. Palocci negou tudo, mas desta vez deverá ficar mais tempo em cena. Enquanto tratava da confusão caribenha, soube que o Ministério Público descobriu falcatruas ocorridas no segundo mandato como prefeito de Ribeirão.

Tenha ou não culpa no cartório, o ministro precisa ser mais criterioso na escolha de assessores.

[01/NOV/2005]