o globo
Outros 'nãos'
Saíram de cena todos os argumentos a favor da proibição do comércio de armas. O resultado do referendo não altera as convicções de cada um, mas seria despropósito — além de perda de tempo — insistir nos argumentos contra o comércio de armas. Ninguém precisa mudar suas idéias, mas o jogo foi jogado segundo regras que todos aceitaram. Principalmente, goleada não se discute. Humildemente, digere-se.
Mas o campeonato não acabou: por decisão da própria classe política, a questão da segurança pública deixou de ser tratado exclusivamente no território da democracia representativa. Se a sociedade é chamada a decidir sobre o comércio de armas, pode-se alegar que teria direito de opinar, por exemplo, sobre a idade em que o cidadão passa a ser responsável pelos crimes que cometer. Ou sobre o conceito da prisão especial, privilégio altamente discutível.
Esse caminho pode parecer muito democrático, mas na realidade uma rotina de consultas populares acaba por enfraquecer o sistema representativo. A segurança pública e problemas afins são responsabilidade do Executivo e do Legislativo. No momento, principalmente do primeiro. A sensação de insegurança entre os brasileiros deve produzir pesada e insistente cobrança popular. Mas isso não precisa significar uma seqüência de referendos ou plebiscitos. Há outra forma de cobrança que costuma dar certo: é aquela que acontece periodicamente nas eleições. Como as do ano que vem.
As autoridades — não apenas as federais — devem entender o resultado do referendo como aviso, tanto quanto como escolha: muitos cidadãos que fazem questão de ter arma em casa provavelmente não estão nem um pouco satisfeitos com as políticas de segurança pública e com o desempenho de quem as executa. E esse contingente votará em 2006 com isso na cabeça. Tanto nos pleitos federais como nos estaduais.
Domingo, a maioria afirmou que faz questão do direito às armas. Muitos, deve-se imaginar, porque gostam delas. Mas não é absurdo imaginar que o "não" de um grande número tenha nascido de uma sensação de insegurança intimamente associada aos fracassos oficiais no combate ao crime.
Brasília pode relacionar êxitos recentes da Polícia Federal, principalmente na área de crimes financeiros e corrupção em geral. Mas não há muita coisa a elogiar no entrosamento com os estados para combater o tráfico de drogas e os crimes violentos que lhe são afins. E a frustração dos planos de construção de presídios federais é incompreensível. A sensação da maioria da sociedade, pode-se apostar, é de que na área da segurança há contingenciamento de verbas demais e investimentos de menos — de muito menos.
Nos estados, contam-se nos dedos os êxitos no combate ao tráfico de drogas e a assaltos de rua. Sem falar na modéstia das políticas sociais que possam reduzir o alistamento de meninos e jovens nas legiões do crime organizado.
Não parece arriscado prever que muitos dos brasileiros que domingo votaram "não" certamente dirão outros "nãos" no ano que vem.