Helena Chagas - Quem pisca antes? |
O Globo |
21/10/2005 |
Dificilmente vai-se saborear uma pizza para salvar qualquer mandato na Câmara. O Planalto não moverá uma palha pelos seus, incluindo-se aí José Dirceu. Está claro que a sobrevida de poucos dias que o deputado ganhou com o adiamento da votação no Conselho de Ética corre por conta e risco de Aldo Rebelo. Já não se pode dizer o mesmo, porém, em relação às investigações das CPIs. Para muita gente experiente nas manhas e manias da política, o quadro de acirramento dos últimos dias pode prenunciar um daqueles mega-acordos que, de tempos em tempos, o sistema político produz em nome da sobrevivência geral. Uma pizza que poucos vêem ser preparada, quase sempre servida na calada da noite, mas que junta as principais forças políticas quando percebem que estão igualmente ameaçadas. Aparentemente, governo e oposição entraram nos últimos dias numa escalada de violência recíproca. Sentindo-se fortalecido pelo fato de as CPIs não terem conseguido provar que entrou dinheiro público no valerioduto — e nem, portanto, que se tratava do maior esquema de corrupção pública da história recente do país — Lula recobrou o ânimo e passou a criticar as CPIs e desafiar a oposição. Os petistas foram mais longe e atacaram no campo onde estavam levando uma surra: o debate e a investigação parlamentar. O depoimento do ex-tesoureiro do presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, na campanha de 1998, Claudio Mourão, foi o ato mais visível dessa estratégia. Mas ela inclui o acirramento do debate — que tirou do silêncio petistas que não tinham piado durante a crise — e outras iniciativas como o pedido de cassação do pefelista Ônix Lorenzoni e a ameaça de abrir processo por falta de decoro contra Azeredo e tucanos de Minas. Ver tucanos na defesa de Azeredo, esposando o argumento de que uma coisa é caixa dois, outra é corrupção, deixou alguns petistas em estado de graça. Era tudo o que eles queriam. Não contentes, lembram que, em depoimento esta semana no Congresso, o ex-ministro e ex-tesoureiro José Eduardo Andrade Vieira disse que a campanha de FHC também teve caixa dois. E prometem reabrir a questão da compra de votos para a reeleição. Com isso, estica-se um pouco mais a corda. Aí chega a vez de o PSDB engrossar o jogo, ameaçando convocar o filho de Lula para depoimento sobre o contrato da Gamecorp com a Telemar e insistindo na acareação entre Gilberto Carvalho e os irmãos Daniel na CPI dos Bingos. Podem também propor a investigação do uso de caixa dois em outras campanhas petistas — o que, convenhamos, não será tão difícil assim depois de Delúbio Soares ter dito, na defesa no processo de expulsão do partido, que a prática é antiga e habitual no PT. Ameaça daqui, ameaça dali, e o clima azedou de vez. Parecem, PT e PSDB, à beira da destruição recíproca, levando muita gente a pensar que não sobrará pedra sobre pedra no cenário político até 2006. Será? Pode não ser bem assim. Há quem veja, nessa troca de chumbo, um bem ensaiado script para que, jogo zerado, as CPIs comecem discretamente a recolher os flaps e encerrar os trabalhos com o que têm, sem avançar muito mais. Nem para lá, nem para cá. Providencialmente, setores mais moderados do governo, aqueles do Planalto, começam a falar em pacificação e agenda positiva. Menos que divergência interna, pode ser divisão de trabalho: enquanto isso, outro grupo, PT à frente, se mantém na linha do ataque nas CPIs. Só vão recolher a artilharia quando o outro lado piscar. E encomendar a pizza. Devastado pelo furacão político, mais dia menos dia o PT vai acabar repensando sua política de tendências — que já se mostrou muito boa para quem está na oposição e nem tanto assim para um partido no governo. Se depender do novo presidente petista, Ricardo Berzoini, por exemplo, a expressão Campo Majoritário será banida do vocabulário. Até porque, depois que o grupo perdeu a maioria absoluta no diretório petista, não se justifica mais. — Não é mais Campo Majoritário. Que tal roça minoritária? — brinca Berzoini. Falando sério, ele explica que a intenção é recompor as relações entre os diversos grupos, num trabalho de unificação. É por isso que amanhã, na reunião do diretório, insistirá para que seu adversário no segundo turno da eleição, Raul Pont, ocupe a secretaria geral do PT. A composição da executiva é o primeiro passo para o entendimento. |