segunda-feira, outubro 31, 2005

Farc preparam uma união pró-guerrilha



Farc preparam uma união pró-guerrilha

Maria Clara Prates
Correio Braziliense
31/10/2005

Serviços de inteligência do Brasil e do Paraguai descobriram que os guerrilheiros querem criar a Força Revolucionária da América (FRA) 
 
 
Salto del Guayrá — Ofícios confidenciais de autoridades paraguaias e brasileiras, produzidos em janeiro deste ano, revelam que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estão usando seus 40 anos de experiência de guerrilha para tentar criar a Força Revolucionária da América (FRA). A organização pretende reunir representantes de movimentos sociais e outras associações de países como Brasil, Venezuela, Chile, Uruguai e Argentina. Segundo os relatos, a FRA buscará, entre outros objetivos, difundir entre seus colaboradores uma espécie de ideologia revolucionária e conseguir financiamento internacional.

É dentro desse movimento de unificação de forças rebeldes que, de acordo com relatórios de serviços de informação do Paraguai e do Brasil, se enquadram treinamentos de guerrilha oferecidos pelas Farc a brasileiros de organizações sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Investigações conjuntas dos dois países mostra que houve pelo menos três desses cursos em 2005. O MST nega a participação de seus integrantes nos treinamentos.

Os relatos dos serviços de inteligência sobre uma espécie de "Mercosul da guerrilha" confirmam suspeitas que surgiram a partir do seqüestro e morte de Cecília Cubas, filha do ex-presidente paraguaio Raúl Cubas, levada em 21 de setembro do ano passado. Seu corpo foi encontrado num casa em um subúrbio de Assunção. De acordo com a Fiscalia Nacional (uma espécie de Ministério Público paraguaio), o seqüestro de Cecília foi idealizado por Osmar Martinez, do Partido Pátria Livre, um movimento de extrema esquerda ligado ao movimento campesino, com ajuda de integrantes das Farc.

As autoridades brasileiras também estão no rastro dessas conexões criminosas. Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) diz que aconteceu pelo menos um encontro entre Martinez e Ricardo Gandra, das Farc, em Foz do Iguaçu (PR). A reunião teria contado com a participação de outros integrantes do Patria Livre: Anúncio Martí, Juan Arrom e Victor Colmãn, este também acusado de participação em outros seqüestros. Nesse encontro, teriam sido acertados detalhes do crime que chocou o Paraguai.

O juiz da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), Odilon Oliveira, que passou grande parte de carreira em Ponta-Porã, na fronteira de Brasil com o Paraguai, confirma a existência dos campos de treinamento das Farc na região, mas diz que os cursos de capacitação são destinados a organizações criminosas brasileiras, especializadas no tráfico de drogas e armas.

O juiz, que está marcado para morrer pelos barões da cocaína, afirma que tem em seu poder uma fita apreendida com criminosos que participaram do seqüestro de Cecília Cubas na qual se pode ouvir nitidamente a voz de um brasileiro. "As imagens mostram um campo de treinamento da guerrilha com pessoas se preparando para a ação. E, apesar de não ser possível visualizar o brasileiro, sua voz é clara", afirma. Para Oliveira, uma das principais fontes de financiamento da guerrilha colombiana é o seqüestro, que corresponderia a 45% do que as Farc arrecadam.

Investigações da Polícia Federal brasileira na fronteira de Brasil e Paraguai demonstram que, além da região de Salto del Guayrá, no departamento de Canindeyú — onde existem indícios de centros de treinamentos das Farc nas cidades de Pindoty Porã, Itanarã e La Paloma —, os departamentos de Concepción, Amambay e San Pedro, todos na fronteira com os estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, exigem atenção especial por estarem sendo usados pelas grandes organizações criminosas especializadas no tráfico de drogas e armas. Na visão da PF, isso cria terreno fértil para a expansão da guerrilha colombiana em território nacional. De acordo com a Polícia Federal, 80% da produção de 18 mil toneladas de maconha, produzidas no Paraguai, se destinam ao Brasil. A maconha é produzida nas áreas de cultivo em Amambay e San Pedro.

Essa porta que se abre para a maconha também serve para a exportação da cocaína colombiana. Depois da adoção no Brasil da Lei do Abate — que autoriza a derrubada de aeronaves sem identificação — e para tirar proveito do incipiente controle do tráfego aéreo no Paraguai, a rota do tráfico de cocaína mudou. A droga da Colômbia fica estocada em território paraguaio e dali é transportada via terrestre para o Brasil, de onde é enviada para Europa e Estados Unidos. Essa rota foi usada pelo traficante Ivan Mesquita, que se estabeleceu no Paraguai e tinha intensa relação comercial com a Frente 16 das Farc. Preso, Ivan foi extraditado para os Estados Unidos para responder por tráfico internacional.