domingo, outubro 23, 2005

ELIANE CANTANHÊDE Tiro no escuro

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 BRASÍLIA - Quando eu era criança, um amiguinho que morava em frente, filho único de pais mais velhos, viajou e nunca mais voltou. Morreu com um tiro na cabeça, brincando com o revólver do tio.
Já adolescente, viajando com minha família, nosso carro foi atingido por um ônibus que vinha na direção contrária, em excesso de velocidade, e abriu demais a curva. Meu pai pegou um revólver no porta-luvas e partiu para o motorista. Não atirou, mas poderia. E o Zé Cantanhêde era um ótimo sujeito. Da paz, do bem, encantador. Jamais o imaginara com uma arma, muito menos por causa de um acidente.
Adulta, tive um assalto a mão armada. Aliás, um dos meus muitos assaltos, roubos, furtos e até um seqüestro relâmpago, em diferentes partes do mundo. Nunca reagi. E continuo contra armas, pitbull, rotweiller, pau-de-arara. E espancar crianças.
Proibir o comércio de armas não vai, ou iria, acabar com a violência. Mas pode defender as pessoas de bem delas mesmas e de suas armas. Crianças não morreriam de forma tão banal, bons cidadãos não matariam em brigas de trânsito, pais não perderiam seus filhos tão facilmente em guerras de torcidas nem em demonstração de armas em escolas, como na semana passada.
E as armas raramente protegem inocentes de bandidos. O ladrão entra com um revólver, você corre para pegar o seu em cima do armário (longe das crianças, lembra?). Adivinha quem é mais frio, mais rápido, mais experiente? Adivinha quem morre? Aliás, desarmado, você pode viver. Mas, armado, vai morrer. E sua arma ainda vai matar os outros.
Enfim, armas matam, ferem, destroem as vidas de quem vai e de quem fica. E são um círculo vicioso: quanto mais os cidadãos comuns se armam, mais os bandidos se armam e mais os cidadãos comuns acham que precisam de armar. Guerra civil. É preciso fazer o caminho inverso.
E a inépcia do Estado? Bem, essa é outra história. Ou outra guerra.