domingo, outubro 23, 2005

DORA KRAMER No rumo do prumo

OESP

No rumo do prumo

A proposta dos 12 senadores do PT, de se anteciparem à mudança das leis e alterarem eles próprios os critérios de financiamento das respectivas campanhas eleitorais, é uma idéia tão boa e moralmente tão salutar neste momento de crise, que custa a crer que será aprovada, e de fato adotada, por um partido vocacionado para a autodemolição.

É a primeira vez, não desde o início da crise atual, mas desde o começo do governo, que alguém no PT toma uma iniciativa capaz de ajudar o partido a recuperar seu capital ético diante do eleitorado.

Os senadores foram ao ponto: deixaram de lado o discurso nesta altura vão - pois não há mais prazo para mudanças de fundo - de defesa da reforma política e impossibilidade de fazer qualquer coisa sem a alteração das leis, e partiram para a ação positiva.

Elaboraram uma proposta de resolução segundo a qual todos os candidatos petistas se comprometem a não fazer uso do caixa 2 e a registrar diariamente na internet as receitas, com as fontes correspondentes, e as despesas de campanha.

Cumprem, assim, a legislação em vigor, que estabelece limites para doações e obriga o registro de todas elas na Justiça Eleitoral.

Dirão alguns que isso equivale a passar a tranca depois de arrombada a porta; alegarão que não adianta o partido tomar essa providência agora se no ano passado resolveu exatamente o oposto no Diretório Nacional, ao recusar a proposta feita pelo então petista deputado Chico Alencar.

Só não adiantará se algum gênio resolver de novo argumentar contra a "burrice" desse tipo de transparência e defender a tese da esperteza a qualquer custo, tendo em vista a disseminação generalizada da prática.

Caso o conjunto do partido consiga reconhecer o real valor da proposta dos seus senadores, terá dado a si uma chance inigualável de iniciar a trajetória rumo à retomada do prumo.

É evidente que o PT poderá, adotando essa linha, não arrecadar tanto dinheiro como recolheria se continuasse a acompanhar os usos e costumes da burla à legislação.

Mas, vamos e venhamos, as campanhas milionárias não resultaram substancialmente vantajosas ao partido. Em alguns casos, foram francamente desvantajosas.

Marta Suplicy, em São Paulo, e Jorge Bittar, no Rio de Janeiro, são exemplos clássicos de derrama sem resultados na eleição municipal de 2004. Não adiantou a publicidade, a ajuda federal , a profissionalização da militância, porque o eleitorado fez o que bem entendeu.

A título de parêntese, um lembrete: dois candidatos que no ano de 2002 concorreram à Câmara adotando o critério de exposição das contas na internet, Raul Jungmann e Luiza Erundina, foram eleitos.

O ex-presidente do PT José Genoino, já no ano passado, finda a eleição municipal, avaliava que os excessos financeiros e marqueteiros haviam sido os responsáveis em boa medida por derrotas importantes do partido em capitais. Depois, já à luz do escândalo atual, Genoino, reforçaria essa percepção, acrescida dos prejuízos morais sofridos pelo PT por causa de sua opção preferencial pela montagem de uma milionária máquina eleitoral.

Se os outros partidos não adotarem o mesmo critério, não digamos nem de transparência, mas de observância da lei, tanto pior para eles e melhor para o PT. Estará aí plantada de novo a semente da diferenciação.

Do ponto de vista prático também configura uma vantagem para o PT a aprovação, e execução real sem concessões a subterfúgios, da proposta dos senadores.

Com esse ambiente de devassa nas contas e no capital ético do partido, é de se imaginar que ele não despertará entusiasmo nos doadores ilegais. Sofrerá, mais que os outros cujas caixas-pretas ainda estão sob relativa proteção, a resistência dos gatos escaldados.

Agora, se capitanear o movimento na direção de uma mudança de procedimentos, tem chance de atrair contribuintes interessados em compartilhar os dividendos da boa conduta.

O tirocínio dos senadores petistas reside também no fato de fazerem agora essa proposta, antes que a oposição lhes tomasse essa bandeira, pois está mais ou menos evidente que, em virtude da demanda moralizadora da eleição de 2006, o altar dos bons propósitos terá fiéis nunca dantes imaginados.

Saindo na frente, o PT capitaliza o gesto e ainda obriga os adversários a seguirem atrás, o que de certa forma poderia empatar o jogo no tocante à abundância das campanhas em geral.

Ajuda também o partido a recuperar a credibilidade perdida e superar o afã de se mostrar igual aos outros até no erro, pois estará dando uma demonstração inequívoca de que a adesão à tese da socialização da malfeitoria foi um recurso extremo de defesa num momento infeliz da sua história.

Não é o único recurso à mão, nem só com ele o PT vai conseguir levantar o moral da tropa. Mas já será uma grande contribuição ao partido, cujo discurso eleitoral dificilmente terá grande sucesso se não apresentar ao eleitorado nada além de uma política econômica concebida pelo PSDB e uma prática política referida no espírito do Brasil dos cafundós.